A Moça do Baile - Lígia Beltrão

A Moça do Baile - Lígia Beltrão

A Moça do Baile

                                                 

       Ela era linda! E como dançava! Deslizava pelo salão de olhos fechados engolindo a música e o sorriso estampava-se em seu rosto iluminando-a. Era uma negra única. Nunca vi igual. Alta, magra, com flores enfeitando a tiara que levava na cabeça, aquela portuguesa de Lisboa aproveitava o que a vida oferecia-lhe de melhor. Prendia a minha atenção e fazia com que eu repensasse a vida. “Vida curta”, disse-me ela, “por isso preciso aproveitar o máximo tudo isso aqui”. E como aproveitava! Rodopiava ao som da música e nem se incomodava com os outros a sua volta. Duas ou três vezes dançou com algum homem, todos eram companheiros de uma excursão, mas o restante do tempo dançava só. Era leve como uma pluma e desligada de todos os problemas dos dias ela estava se reabastecendo de vida. Vida pulsante e cheia de alegrias que invadia aqueles olhos sorridentes que me encantaram, e não só a mim, mas certamente a todos que lá estavam.

       Vendo aquela negra bambolear as ancas sem o artificio da superficialidade e explodir em felicidade, com aquele sorriso, que acredito ter sido dos mais belos que já vi no rosto de alguém, eu comecei a pensar na vida. Nos momentos que nós desperdiçamos por medo de sermos felizes. De nos entregarmos às alegrias, ainda que passageiras, pois cada uma é única e não podemos deixar passar. A vida é feita de momentos e só nós podemos viver os nossos momentos. Tudo se desfaz num instante e muitas vezes sem nenhum aviso. Tudo é efêmero.

       Lembrei-me com saudades dos tempos passados onde eu desabrochava feito botão, lentamente, com medo do que poderia vir. Fiz-me, ali por momentos, a mocinha serelepe que fui e a gaveta das minhas recordações abriu-se em risos puros e inocentes como festas inacabadas onde eu vislumbrava os entardeceres dos dias e as auroras da esperança. Não tenho muitas histórias desse tempo, talvez porque não me tenha permitido viver a plenitude da idade que tinha. Escondi-me em becos e subi ladeiras tantas vezes quanto a vida me cobrou e cedo me fiz senhora de mim, com responsabilidades que hoje não caberiam na vida de uma menina. Fui precoce. Mas escrevi a minha história com uma caneta dourada para que cada página fosse iluminada e a escuridão de algumas dores ficasse imperceptível aos olhos do mundo. Talvez ninguém entenda o que sinto, ou que digo, mas tudo o que se vive fica guardado no eterno. Somos tão frágeis e transitórios que deveríamos lembrar isso ao acordarmos para desperdiçarmos os instantes. Porém agimos contrário a tudo isso, e fazemos o nosso tempo imaginariamente infinito.

       “A vida é tão curta e os problemas são tantos que precisamos, nesses momentos, fechar os olhos e esquecermo-nos de tudo, para aproveitarmos a alegria desse momento” -, segredou-me a negra no único momento em que vi o sorriso ser guardado, para aflorar logo depois, feito um jardim feliz, após ser regado num dia quente de verão e ver saciada a sede de todas as flores. A simplicidade beira a sabedoria, e foi isso que aquela negra me mostrou. Como por encanto senti uma felicidade muito maior do que a que já sentia. Meu coração pulou no peito. Li mais uma lição de vida.

       Ela abraçou-me apertado e disse do prazer de ter me conhecido. Abracei-a demoradamente e desejei-lhe felicidades. Ela era tão iluminada que eu tinha a impressão de ver faíscas de luz ao seu derredor. Segui-a com os olhos lacrimosos até ela partir. Guardei-a no coração. Para sempre. Acho que nunca mais verei aquela mulher forte e sorridente, mas como a vida é uma incógnita para irmos lendo dia após dia... Quem sabe ainda abraçarei outra vez a Júlia? Tenho esperança.

 

 

 

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