Afoito Amor - por Lígia Beltrão

Afoito Amor - por Lígia Beltrão

Afoito Amor

 

       Casaram-se. Não se sabe até hoje o por quê? - Perguntam todos -. Ela era mulher bonita e fogosa. Alegre, dada, afoita e não sentia medo de nada. Tanto é que, quando aquele forasteiro apareceu e ficou olhando-a admirado, ela encantada, tinha um sorriso no canto da boca e trocava olhares com ele sem se importar se os outros olhavam ou notavam aquilo. Quando alguém chamava a sua atenção dizia-lhes que cuidassem da própria vida, que da dela ela própria se encarregava de cuidar. E assim era.

 

       O marido, coitado, já não sabia mais o que fazer com ela e fingia que nada via. Preocupava-se em encher o copo e esvaziar bem depressa, para manter-se ocupado, ou distraído, sabe-se lá. Ninguém entendia como o pai dela deixara casar-se com ele. Era um homem mal cheiroso, com barba por fazer, sujo e embriagado, grosseiro e miserável. Sequer tinha comida decente para alimentar a mulher que ele dizia amar. Além de tudo, jogador compulsivo. Há quem diga que o pai dela deu-a em casamento a ele para pagar dívida de jogo. Eram completamente diferentes. E assim os dias passavam entre sóis e luas e os rumores do povo do lugar.  O marido dizia que tinha um diabo dentro de casa, e que ela trazia o fogo de todos os demônios debaixo da saia, mas que nada podia fazer senão aguentar, pois a amava. Passavam-se os seus dias. Meses. Anos...

 

       Aquilo sim, é que era mulher gostosa, diziam os homens de olhares compridos e água na boca, todos desejosos e prestando atenção nela, que nem os ligava. Gostava de provocá-los quando passava bamboleando aquelas ancas fartas, com os seios empinados e um sorriso debochado no canto dos lábios carnudos e pintados de vermelho, tal qual um morango suculento. Jogava os loiros cabelos longos com cachos nas pontas, por cima dos ombros e ia. Às vezes parecia um anjo de candura, outras, uma quase depravada, com aquele rebolado que exibia.

 

        O seu coração batia por aquele vendedor de olhos azuis e atrevidos, que a olhavam despindo-a e fazendo-a corar, ainda mais do que já era. Todas as semanas ele aparecia para vender as suas mercadorias, e claro, ter com a bela que tanto o encantava. Diziam que os dois se encontravam e passavam horas se amando. Ninguém se atrevia a meter-se ali. Vamos ver no que dá, diziam todos.

 

       Numa manhã de primavera ela dirige-se ao marido e pede o divórcio. Ele olha-o com os olhos rasos d’água, mas concorda, antes que cometa um desatino. No fundo sabia que os dois jamais seriam felizes juntos. Longe dela, muito menos, mas precisava deixá-la ir cuidar da vida. Assinou os papeis em silencio e correu para encher mais um copo e afogar-se nele.

 

       Nesse dia, o forasteiro vendedor apeou do seu cavalo no lugar de costume e nada ofereceu a ninguém. Cuidou de cobrar as prestações que alguns lhe deviam e ao invés de vender qualquer coisa, ergueu aquela mulher linda nos braços e colocou-a delicadamente sobre a sela do animal, arrumando o pequeno saco de roupas que ela levava. Montou e, sob os olhares atônitos de todos saiu calmamente rumo à estrada que os levaria para a capital. Nesse dia, os comentários eram tantos no lugar, que até o sacristão se esqueceu de tocar o sino da igreja e até o padre embriagou-se em solidariedade ao marido descasado.

 

       Semanas depois chega a noticia que ela e o forasteiro tinham casado numa pequena capela e que se amavam tanto que causavam inveja a quem os via. O marido abandonado morrera alguns anos depois de tudo isso acontecer. Encontraram-no em cima da cama abraçado a camisola dela, os olhos abertos e duas lágrimas caídas no rosto. Espalhados pela casa copos e garrafas vazias falavam da sua solidão.

 

       Contam que o casal tivera dois filhos gêmeos, mas que morreram pouco tempo após o nascimento. Ela não pode mais ter filhos. Viveram o grande amor deles até ela morrer.  Ele não suportou a dor da perda e morreu poucos meses depois, dizem, chamando por ela e falando que a estava vendo e que ela viera buscá-lo. Estavam os dois já muito velhinhos. Seus corpos estão lado a lado na mesma tumba.

 

       Ainda hoje, contam a história de Maria Flor e seu forasteiro.

 

                                                   Lígia Beltrão

 

 

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