Conto - Sapatos para um Anjo - por Ana Stoppa

Conto - Sapatos Para Um Anjo
                                       Ana Stoppa  

Pela segunda vez sob o sol escaldante voltou com a filha no colo - menina com pouco mais de dois anos.

Sob a poeira vermelha da estrada rodeada de cafezais em flor entre idas e vindas naquele dia havia caminhado uns trinta quilômetros.

Benzimento,  reza, remédio caseiro, farmacêutico,e por fim o doutor.

Nada cortou a diarreia.

Quanto chegou na porteira de entrada do sítio sentiu a filha respirar fundo - o último suspiro.

Gritou para o vazio.

Ajoelhou-se agarrada à pequena pedindo a Deus forças para suportar tamanha dor.

Desceu o caminho de terra até a casa simples.

Não disse uma palavra - apenas o pranto desmedido.

Os filhos maiores correram ao seu encontro.

Colocou a filha inerte na cama de casal.

Cobriu com um alvo lençol.

Enxugou a face, abraços os filhos.

Pegou a velha sacola de palha, disse que voltaria para a
cidade.

Todos ficaram sem entender.

Em poucos instantes a casa cheia, as mulheres dos colonos, a criançada - todos queriam ver a anjinho coberto com o alvo lençol.

O pai - que naquele dia havia voltado mais cedo da roça,
procurou o registro de nascimento para cuidar do enterro.

Colocou o arreio no Gibão, seu inseparável companheiro.

Entre lágrimas carregou a pesada cruz da perda.

Na aglomeração não deram conta de que a mãe havia saído.

Quando todos perceberam, pelas contas há mais de duas horas a mãe havia desaparecido.

Já no fim da tarde surge desfigurada pela dor com uma caixinha embrulhada em papel manilha cor de rosa.

Todos se calam.

Com os pés inchados, os olhos turvos de tanto chorar, a alma rasgada de dor, foi até o quarto.

- Rosalba, vem cá.

Chama a madrinha da menina com um fio de voz.

- Sente-se na cama Rosalba.

Dito isto entrega o embrulho para a comadre.

- Abra!

Um par de sapatinhos de verniz na cor branca, solas de couro, botãozinho forrado de lado para fechar a pulseirinha e o par de meias - alvas como a paz.

- Calce nela Rosalba.

Referindo-se ao anjinho inerte.

- A madrinha se benzeu, descobriu os pés da menina, atendeu o pedido da mãe.

Ao terminar estendeu novamente o lençol que cobriria o anjo até a manhã do dia seguinte.

- Luzia, (referindo-se à filha), sempre me pedia sapatinhos brancos.

Nunca pude comprar!

Ficava encantada quando nas missas de domingo via as meninas calçadas.

Esta era a sua vontade.

Dito isso saiu do quarto, acendeu as lamparinas de querosene, procurou o terço, o livro de rezas, as velas brancas.

Vestiu-se de coragem.

Aninhou os oito filhos ao redor da velha mesa de jacarandá à espera do marido que traria a urna - branca como o alvo lençol, o par de meias e os sapatinhos...(Ana Stoppa), (baseado em fatos reais, anos 40).

 

Publicado em 20/05/2014

 

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