Diário de bordo - O legado de Jacques Drouvot - por Dr. Neroaldo Pontes

Diário de bordo - O legado de Jacques Drouvot - por Dr. Neroaldo Pontes

 

 

            Francisco Antonio Cavalcanti

            Chiado Editora – Lisboa  - Portugal – 2015

 

           

 

Começo por agradecer ao escritor Francisco Antonio Cavalcanti o honroso convite para apresentar, nesta noite, na Fundação Casa de José Américo, a esta plateia de intelectuais aqui presentes,  o romance Diário de bordo - O legado de Jacques Drouvot, publicado pela Chiado Editora, Lisboa-Portugal, neste ano de 2015.

 

            A justificativa eu encontro na dedicatória que o colega de Universidade e amigo Francisco Antonio escreveu ao me entregar seu livro, que li, quase sem tomar fôlego: A Neroaldo Pontes, com o penhor de uma amizade que nasceu nas pelejas da política e da administração universitárias.

 

            Natalense, Francisco Antonio radicou-se em João Pessoa, tornando-se   professor da Universidade Federal da Paraíba. É engenheiro, de carreira brilhante: especialista em desenvolvimento, mestre em administração e doutor em engenharia de produção. Nesta área, orientou inúmeros trabalhos acadêmicos, participou de projetos de pesquisa com a Universidade de Grenoble, publicou livros e artigos científicos.

 

            Numa entrevista a Shirley M. Cavalcante, publicada na Revista Acadêmica online, nos informa que sempre foi um leitor dos clássicos da literatura universal e um consumidor de livros. Sabe-se que escrevia poesias e textos ficcionais.

           

            Com a aposentadoria da UFPB, migrou para a literatura, tendo publicado em 2012  seu primeiro romance, O violoncelo - uma trajetória de acasos e mistério.  O instrumento musical, de grande valor,  achava-se em uma casa comercial, Regente - Confecções e Calçados, na mão de leigos,  como peça de decoração. O músico norte-americano, Gary Merton, vindo à Paraíba, encontrou-o,  consegue a restauração, mas não foi possível identificar sua origem. A busca do criador e do itinerário do instrumento dá lugar a uma investigação, conduzida em Cremona e Veneza, na Itália. Tratava-se de um Del Jesú, fabricado em Cremona, em 1739, valorizado em milhões de dólares. O narrador investigador, com riqueza de detalhes, informações fidedignas, intimidade com os personagens, pesquisa sobre arte, sobre gerações familiares, o que dá um ritmo `perfeito ao enredo,  chegando a un gran finale, prendendo o leitor do início ao fim da narrativa. Rucker Bezerra, docente da Escola de Música da UFRN, na apresentação do livro, escreve que o autor transitou de obras técnicas para o romance com a mesma sagacidade que um grande compositor passa de um método de estudo para uma ópera.

 

            Neste primeiro livro, e em Diário de bordo, resta provado que é falsa a dicotomia entre ciência e humanismo. O doutor em engenharia agora se apresenta como o engenheiro da palavra.

 

            Retornando ao gosto pelos clássicos da literatura universal, que acompanhou a vida do atual romancista, recorro a Camões, em Os Lusíadas, nas duas primeiras estrofes que resumo: As armas e os barões assinalados (primeiro verso da primeira estrofe) cantando espalharei por toda parte,/ se a tanto me ajudar o engenho e arte (dois últimos versos da segunda estrofe). Engenho e arte são um todo indissolúvel,  constituído por habilidade e talento.  Engenho e arte são  o cabedal do romancista Francisco Antonio Cavalcanti.

 

           Ainda me permito pedir licença para duas rápidas incursões, antes de chegar ao Diário de bordo, numa tentativa, segundo minha compreensão, de situar a obra romanesca do autor no conjunto da literatura brasileira e de outros textos do gênero na literatura universal.

 

            A literatura brasileira consolidou-se em dois grandes veios, em dois grandes caminhos, sobre os quais não cabe fazer juízo de valor, senão apenas situá-los.

 

            O primeiro filão é capitaneado pela produção literária de José de Alencar : romantismo, subjetivismo,  beleza escultural do estilo, do lirismo. Iracema tenta recuperar uma visão idealista do indígena brasileiro: Além, muito além daquela serra que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema, a virgem dos lábios de mel.

 

            Na poesia, poderíamos citar Manuel Bandeira, de “Vou-me embora pra Pasárgada”:

            Vou-me embora pra Pasárgada

          Lá sou amigo do rei

          Lá tenho a mulher que eu quero

         Na cama que escolherei.

           

            O segundo filão descende de Machado de Assis, realista, de tramas problematizadoras, de rigor técnico no estilo, de personagens fortes. Quem não lembra de Bentinho e Capitu, talvez a maior personagem feminina da literatura brasileira, no romance Dom Casmurro? Caberia lembrar Memorial de Aires, último livro de Machado, tido até como construído com tom autobiográfico.

 

            Na poesia poderíamos falar de um João Cabral de Melo Neto, o poeta engenheiro, da economia verbal, da severa forma do vazio, da profundidade temática:

            O lápis, o esquadro, o papel

          O desenho, o projeto, o número

            O engenheiro pensa o mundo justo,

            Mundo que nenhum véu encobre.

 

            Pela sua formação, pela sua produção, Francisco Antonio situa-se nesta segunda linhagem. É escritor que está convencido de que só se escreve um bom romance quando se tem uma história para trabalhar.

 

            Para apontar a atualidade dos textos romanescos de Francisco Antonio, gostaria de citar, não por imitação ou comparação, mas por sintonia, duas obras mais recentes, tornadas conhecidas internacionalmente. A primeira,  O Código Da Vinci, de Dan Brown, em que um assassinato no museu do Louvre, em Paris, traz à tona uma sinistra conspiração para revelar um segredo protegido por uma sociedade secreta desde os tempos de Jesus Cristo. Trama atraente, revelando uma apresentação ímpar de obras de arte, guardando para o fim o desvendamento do código. A segunda obra, mais recente, deve-se ao cubano Leonardo Padura, que produziu uma narrativa que caminha pela história política, permitindo-se um tom ficcional. O Homem que amava os cachorros é o título do livro que narra, em mais de 500 páginas, o assassinato de Leon Trotski, teórico russo, comandante do exército vermelho durante a revolução de outubro de 1917. O texto, magistralmente construído, investiga, sem preconceitos,  as contradições da utopia libertária da revolução russa, da revolução espanhola, da revolução cubana, sem deixar de apostar na esperança.

 

              Esse percurso, que já vai longo, teve a intenção de mostrar que a produção  literária de Francisco Antonio está absolutamente antenada com aquilo que Carlos Drummond de Andrade chamou de “o sentimento do mundo”.

 

            Diário de Bordo - o legado de Jacques Drouvot é uma narrativa que tem todos os fundamentos de um grande romance contemporâneo: bem concebido, bem trabalhado, bem apresentado.

 

            Uma trama histórica rica, um autor pesquisador, um narrador meticuloso, um tempo narrativo que cruza presente e passado, uma linguagem pertinente e cuidadosa, personagens que são criaturas e não figuras, respeito ao leitor, um ritmo narrativo que oscila entre história e ficção, um texto, enfim, que se enquadra naquilo que Roland Barthes definiu como o prazer do texto..

 

            Em fins do século XVIII, um corsário francês, Jacques Drouvot, com carta de corso, o que o habilita a se apossar para seu país de cargas valiosas, ataca uma nau portuguesa rica em contrabando de ouro e pedras preciosas, e resolve contrabandear o contrabando, não o levando para seu país. Esconde-o para buscá-lo posteriormente e no diário de bordo deixa um legado, cifrado em código, para  na hipótese, que se concretiza, de não poder retirá-lo, seus familiares pudessem vir a usufruir daquela fortuna. Gerações e gerações se sucedem nessa busca. Até que ela é concretizada, em tempos e fatos recentes, entremeadas por histórias que se entrelaçam construindo um fio narrativo que cativa e prende o leitor até o seu final surpreendente.

 

            No prefácio, o também norte-rio-grandense Vicente Serejo fala do romance como um relato de acasos, mistérios, decifrações, contingências, paixões, cobiça, deslealdades e crimes. Por vezes, e de repente, diz ele, parece contracenar com o romance policial, sem deixar de ser um romance de aventura que leva o leitor a buscar a chave nas páginas do diário de um navegador.

 

            Neide Medeiros, em dois momentos críticos, no jornal Contraponto, de João Pessoa,  e na Rede de Divulgação Literária da Lusofonia, fala do grau de aprimoramento técnico que faz com que o texto ultrapasse a caracterização de um romance de aventura. Diz ela: Estamos diante de um historiador, geógrafo, psicólogo, com  um meticuloso olhar sobre os ambientes internos e externos, que traz revelações surpreendentes. É um escritor que sabe lidar com a construção dos personagens e matiza com eficiência o tempo passado e o presente.

 

            Desde o primeiro momento, o autor honesto informa ao leitor como se apropriou da história que veio a se tornar um romance. A história medular nos revela desde o início da narrativa a visão crítica sobre as ações perversas do colonialismo. Ilustra o quanto o Brasil foi saqueado, pelos portugueses, pelos franceses, pelos ingleses, pelos interesses excusos do roubo, das traições, da ganância aventureira.

 

            O foco narrativo é conduzido por um narrador onisciente, meticuloso na construção da linguagem. O ritmo da narrativa envolve histórias dentro da história. O affaire amoroso de Jorge e Nazaré é de uma beleza ímpar, que faz com que o amor una o mulherengo Jorge com a mulher sofrida na vida, viúva, nova, morando na Penha, em João Pessoa, na casa da impertinente sogra, Dona Rita. A descrição do respeitoso tempo, da dificuldade do encontro, tudo culmina com a cena antológica da consagração da paixão e do amor. É também o amor, entre Fabrício e Sofia que, no final da narrativa, revela para o leitor o desfecho surpreendente do romance.

 

            O ritmo da narrativa interliga histórias e lugares, de João Pessoa a São Paulo, ou à França. Em cada lugar, a abundância de detalhes é de uma erudição impressionante. As descrições de Nice ou de Paris são verdadeiros roteiros turísticos, com detalhes históricos, com informações pesquisadas, ou mesmo vividas.

 

            Os personagens têm vida, têm nomes apropriados às suas características. A sensação de quem lê é de que não poderiam ter outros nomes. Eles estão associados às criaturas que dão vida (ou dão lugar) aos personagens. Sobre a densidade psicológica dos personagens, comenta Vicente Serejo: Francisco Antonio é um romancista apurado na técnica. Sabe construir e soprar vida em cada personagem. Criá-las e, principalmente, fundá-las como seres humanamente reais e compreensíveis em seus conflitos, culpas, glórias, infortúnios. Mais do que isso: sabe retratá-las nas suas individualidades.

 

          Eu queria terminar esta prova de leitura fazendo ainda com algumas observações.

 

            O profissionalismo do engenheiro do livro ocupa-se com  a cor da capa, cenário para abrigar um transatlântico  do séc. XVIII. Registre-se que o pai do autor trabalhou na Companhia de Navegação Loyd Brasileiro. Deverá ter ouvido muitas histórias sobre o tema. Incansável pesquisador, Francisco Antonio foi a Amsterdã e passou quatro horas dentro de um Transatlântico histórico, pesquisando detalhe a detalhe. Para falar do que conhece. Voltando à capa, no canto direito, a rosa dos ventos, instrumento antigo, cujo nome vem da Grécia, usado para apontar o rumo dos ventos, e aqui, metaforicamente, a nos guiar ao longo da narrativa.

           

            É hora de terminar essa apresentação. Quero fazê-lo, trazendo duas mensagens do autor de Diário de bordo. A primeira, uma dedicatória, dirigida a cada um de nós, em forma de epígrafe ao romance:  Aos que encontram no desafio a têmpera para a determinação. A segunda, palavras de Francisco Antonio, na citada entrevista à Revista Acadêmica online: Acredito que é imperioso compreender que quando abrimos mão de sonhar, para dizer o mínimo, a vida pode transformar-se em um cotidiano monótono, repetitivo e tedioso.

 

            Obrigado, amigo, pela sua determinação, obrigado pela obra que nos entrega, obrigado pela chamada ao sonho, em meio a esse momento em  que estamos imersos em incertezas, em repensarmos utopias, sem perder a esperança jamais.

 

                                     João Pessoa, 10 de setembro de 2015

 

                                          Neroaldo Pontes de Azevedo

                                 (Doutor em literatura brasileira pela USP)

 

 

Comunicamos que o livro "Diário de Bordo - O Legado de Jacques Drouvot" está disponivel nas seguintes livrarias físicas na cidade de João Pessoa:
 
Sebo Cultural
Centro
Shopping Sul - Bancários
Manaíra - Próximo ao Mag Shopping.
 
Livraria do Luiz - Centro
 
Livraria Leitura - Shopping Manaíra.
 
Link para compra do livro impresso e em Ebook - Diário de Bordo
 
Livraria Cultura - Diário de Bordo
 
Livraria Saraiva - O Violoncelo

 

 

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