Floresta Negra - por Mário de Méroe

 Floresta Negra

 

Mário de Méroe

 

A jovem Tatilena era, sem dúvida, uma pessoa do Bem. De trato delicado, gentil e atenciosa, atendia com infinita paciência os clientes da churrascaria onde trabalhava.  

Acreditava de tal maneira no Bem, que ela o via em tudo, nas coisas e nas pessoas, a quem tudo desculpava e lhes atribuía a melhor das intenções, mesmo que as coisas não fossem bem assim... Ela se recusava, peremptoriamente, a pensar no Mal e nem sequer escrevia essa palavra, que abominava. Assim, seus pensamentos eram lindos, claros e felizes, e ela se julgava protegida.

Mas naquela sexta-feira 13, as coisas correram de maneira diferente. Chegou uma cliente estranha, muito alta, magra, vestida de preto, com uma comprida capa da mesma cor cobrindo todo o corpo, e óculos escuros, que não tirou nem dentro do estabelecimento.

Tatilena apressou-se a atendê-la. A estranha vociferou:

─Quero um bife alto, suculento e malpassado. Mas que seja MUITO malpassado, sangrando, entendeu?

─Deseja reservar já a sobremesa? Hoje temos o famoso bolo Floresta Negra, feito com pão de Ló de chocolate, recheado com creme chantilly, leite condensado, cerejas em calda de licor marrasquino e coberto com chocolate meio amargo... aliás, esse é meu bolo preferido, disse Tatilena sorrindo.

A cliente lançou um olhar rancoroso, e nem respondeu.

Tatilena anotou o pedido. Mas, traída por seu hábito, inadvertidamente trocou a palavra “mal”, que nunca escrevia, pelo antônimo “bem”, que sublinhou duas vezes para não deixar dúvidas...

Assim, o chapeiro nem pestanejou: grelhou repetidas vezes o bife, até que este ficou totalmente crestado. Para ele, o pedido do cliente era uma ordem!

Ao receber o bife quase torrado, sem qualquer vestígio de sangue, ao contrário do que pedira, a cliente se enfureceu. Tirou os óculos escuros, mostrando seus olhos maus, sinistros, injetados de sangue, e chamou Tatilena, devolvendo o prato e dizendo com voz rouca e grosseira:

─Não foi isso que eu pedi, e saiu resmungando. Mas antes de retirar-se, olhou demoradamente para a gôndola das sobremesas, pronunciou algo ininteligível, e fixou seu tétrico olhar no tal bolo Floresta Negra....

Todos os presentes sentiram um frio na espinha. Menos Tatilena, que só pensava no Bem, e logo se esqueceu do incidente. Apenas lamentou que a cliente não tivesse ficado satisfeita.

─Ela tem olhos tão lindos e carinhosos, pensou Tatilena. A boa menina nem sequer desconfiou que a estranhíssima cliente era, de fato, a condessa húngara Barthola, a vingativa e multimaldosa chefe dos vampiros que se radicaram no Brasil, onde fundaram uma agremiação que ostentava, como símbolo, uma estrela sangrenta....

Mas sua calma durou pouco. Logo à noite, encontrou-se com o seu namorado, que a levou a uma casa de doces e pediu um lindo bolo Floresta Negra, com todos os atributos e recheios que a encantavam.

Ao aproximar-se do bolo (que custou muito caro ao namorado), Tatilena foi acometida por uma incontrolável crise de espirros, que surpreendeu a todos pelo alto volume e som cavernoso. Tentou tomar água aos golinhos, respirar pausadamente, mas nada acalmou a crise, que se alongou por muitos minutos.

Diante desse quadro, o namorado mandou suspender o bolo, e imediatamente os espirros cessaram. Minutos depois, julgando debelada a crise, ele o pediu novamente.... e a crise de horrorosos espirros recomeçou. Assim foram sucessivas vezes, até que o rapaz desistiu, dizendo:

─Isso parece praga de gente rancorosa!

Para Tatilena, demorou um pouco, mas a “ficha caiu”. A cliente ressentida burlou o suposto escudo do Bem que a protegia, e usou seus poderes malignos para aplicar-lhe uma praga cruel: bastaria aproximar-se de um bolo Floresta Negra, ou apenas ouvir esse nome que a crise se iniciava.

Ao sair da casa de doces, tristíssima e abatida, Tatilena ainda ouviu, à distância, um gargalhar sinistro, roufenho e mau, que parecia acompanhado do odor característico do seu querido bolo de chocolate...

Ago/2016.

 

 

 

 

 

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