Gritos no Silêncio - por Lígia Beltrão

Gritos no Silêncio - por Lígia Beltrão

Gritos no Silêncio

 

O meu coração tinha uma porta fechada, onde a minha alma repousava num silêncio sepulcral. Abrir essa porta era como violentar-me. A minha alma nunca havia sido livre. Eu nunca havia penetrado o meu próprio coração. Que fazer com o fantasma de mim mesma? Eu precisava da bondade infinita dos que sabem amar para matar os meus medos e deixar o meu coração ser um regato manso correndo pela vida. Nada, absolutamente nada, escapa à transfiguração. Não sou só um corpo vivendo, mas a música que talvez não saiba entoar, porém, ecoa entre os instantes da minha existência. “Às vezes só a bondade que doamos a nós mesmos nos livra da culpa e nos perdoa”. Disse Clarice Lispector. Perdoei-me. Nem sei de quê, mas desde então a minha vida está à mão. A minha exigência comigo mesma sempre foi a minha medida, e assim, formaram-se os meus dois mundos. O nó vital da vida é o nosso próprio dedo nos apontando. Fui adestrada pelo medo.

Tive sempre que ser maior que a minha culpa. Culpa de viver? De ter nascido só um ser humano? De não ter a grandeza de uma flor, que aceita a breve vida que lhe é destinada e mesmo assim desabrocha sorrindo, em primaveras? Um primeiro grito desencadearia todos os outros, e quem sabe eu me libertaria, mas resolvi pelo silêncio. Era preciso ser maior. O meu silêncio só era mudo, mas tinha olhos que viam a vida inteira e na verdade era a respiração do mundo. Do meu mundo. Ah, como o meu silêncio é ocupado e como é feroz a minha ânsia de viver! Pergunto-me de quando em vez: - Quem sou eu? Já é um pouco demais querer desvendar-se. Deixo-me na abstração do pensamento, como uma música, mas livro-me da culpa de pensar. Preciso escrever-me e para isso devo ser livre. A palavra me salva. O resíduo final de tudo é a minha verdade. O duro é escrever a palavra.

       Quero a alegria de uma mão segurando a minha. A certeza de que alguém me leva por algum caminho. Sem por quês. Sem nada perguntar. Só não posso me descuidar, isso poderia matar-me. Não me escolhi nesta vida, só fui me obedecendo. Defendendo-me. Aprendendo a amar. Aprendendo a me doar. O que preciso mesmo, agora, é aprender a doar-me o direito de receber amor. Seria isso a plenitude do humano? É paradoxal, isso sim. Ser forte o tempo inteiro é desnecessário. Respeitar as minhas fraquezas é que deveria ser normal. Uns acham que amor é farpas, aquelas entranhadas que machucam sem dó. Eu não. Acho que amor verdadeiro pode ser pluma fazendo cócegas na alma. Quero sentir-me em estado de graça. Isto é um dom. quero sentir o outro, e quando o sentir, saberei que é o meu porto de chegada.

       “A ilogicidade de meus medos me tem encantado, dá-me uma aura que até me encabula. Mal consigo esconder, sob a sorridente modéstia, meu grande prazer de cair em medos”. Outra vez Clarice me socorre, pois sinto exatamente isso. Estar viva já é razão para medo, mas também viver é motivo para matar a covardia do medo. Não quero mais ter receios de olhar a vida no profundo dos seus olhos. Agora tomei posse de mim. Definitivamente. Já não quero traduzir o barulhento silêncio que habitava a minha alma dentro do coração. Seus ecos me fizeram entender que há muitas maneiras de se morrer. Estou respirando livremente. Explícita. A porta está aberta. A única prova de mim sou eu e os meus gritos no silêncio...

 

 Lígia Beltrão

 

 14/09/2015

 

 

 

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