Marcos de Andrade Filho - Entrevistado

Marcos de Andrade Filho - Entrevistado

Por Shirley M. Cavalcante (SMC)

(Fotomontagem: Fernanda Rodrigues | @anandacolaa)

 

Marcos de Andrade Filho é natural do Recife e atua como professor de literatura, libretista para composição de óperas, poeta, contista, romancista, tradutor e crítico literário. É membro da União Brasileira de Escritores (UBE), da qual já foi Diretor e Vice-Presidente. É membro de instituições Literárias no Distrito Federal e em Pernambuco. Recebeu, dentre outros, o Prêmio Edmir Domingues da Academia Pernambucana de Letras por "SPOLLIVM", em 2011, como melhor livro inédito de poemas daquele ano, e o Prêmio Maura de Sena Pereira da UBE-RJ por "Fome Antiga", em 2017. No gênero poema, é autor de "Não Lugar" (Ed. Bagaço, 2005); "SPOLLIVM" (EdUFPE, 2012), "Fome Antiga" (Liceu, 2017) e "Reminiscências de um Legado" (Amazon, 2020). Restaurou libretos históricos de Ópera para a Academia de Ópera e Repertório e escreveu alguns libretos ainda inéditos baseados em grandes obras da literatura nacional. Está preparando novas obras nos gêneros poema, conto e romance. “Navios Cargueiros” (2021) é seu primeiro livro pela Kotter Editorial.

 

“Cada página é um navio que recebe a carga pesada de um contêiner de palavras em equilíbrio tenso, convulso. Cada poema começa com vírgula ou com reticências, como se tudo fosse um fluxo (des)contínuo de uma mente em colapso, num mundo colapsado.”

 

                        Boa leitura!

 

Escritor Marcos de Andrade Filho, é um prazer contarmos com a sua participação na revista Divulga Escritor. Conte-nos, o que mais o atrai nos textos poéticos?

MARCOS DE ANDRADE FILHO: Como vai? O prazer é meu. O que me atrai no texto poético? É o que atrai no olhar, no sorriso… O que atrai no texto poético é enigma. É a esfinge mirando com olhos de decifra-me e dentes de devoro-te. É esse mistério de quem, finalmente, afastou um pouco as nuvens que estavam sobre um santuário. O que atrai e encanta é o poder que Drummond soube traduzir tão bem quando o definiu como “poder de Palavra e poder de Mistério”, sabe por quê? Porque a letra, a palavra, a frase, a fôrma da forma são guias de uma grande iniciação. Elas nos provocam, nos incitam, nos enredam num drama cujo objetivo é encontrar uma câmara nunca antes adentrada em nós para, ali, operar uma alquimia profunda chamada Poesia. É isto que me atrai no Poético: o Mistério à vista, o claríssimo enigma.  

 

Em que momento se sentiu preparado para publicar “Navios Cargueiros”?

MAF: Nunca! (risos) Quem disser que está preparado ou mente ou já morreu de ilusão. No máximo, eu senti que estava na hora de ousar me liberar de uma tarefa sempre inconclusa. Porque, se você não ousa, você nunca publica nada! A Rachel de Queiroz dizia que, quando se está grávido, é imperativo parir. “Navios Cargueiros” foi meu terceiro livro escrito, mas o quinto a ser publicado. Dois livros publicados antes dele – Fome Antiga (2017) e Reminiscências de um Legado (2020) – foram escritos depois de “Navios Cargueiros”. No máximo, uma meia dúzia de poemas que tinham o mesmo “ethos” e o mesmo “páthos” de “Navios Cargueiros” foram inseridos durante ou após o processo de feitura e publicação de “Fome Antiga” e de “Reminiscências de um Legado”. Mas a verdade é que eu nunca estive preparado para lançar nenhum de meus livros. Não estou preparado para os próximos, mas vou publicá-los. Gravidez tem limite! (risos).

 

Quais critérios foram utilizados para escolha do título?

MAF: Essa pergunta é quase um universal sobre essa obra. Todo mundo pergunta isso! Se eu soubesse, teria usado esse título antes (risos). Para explicar o título, talvez eu precise contar um pouco sobre como o livro nasceu. “Navios Cargueiros” é uma obra de poemas que têm muito de experimentalismo imagético, mas também formal, de linguagem e esse livro funde dois momentos: o primeiro, particular e personalíssimo do ser humano Marcos de Andrade Filho – uma crise epilética que eu sofri em 2017 e que desencadeou um processo de fluxo da consciência dos meus eus líricos acerca da própria poesia, da linguagem como um todo (a área do cérebro afetada era justamente a responsável pela linguagem) e do mundo; o segundo, o turbilhão de transformações sociopolíticas pelas quais o Brasil passa, sobretudo, nos últimos 05 ou 06 anos de sua História.

O título “Navios Cargueiros” aponta para o peso da carga no convés do meu cérebro, que convulsiona, e nos ombros do cidadão-Marcos, que encara as convulsões de sua gente, de seu País e de seu mundo. O nome do livro surgiu de uma sensação que eu tive enquanto convulsionava: minha cabeça era um convés, que recebia contêineres de sonho e dele saiam os poemas do livro.

Cada página é um navio que recebe a carga pesada de um contêiner de palavras em equilíbrio tenso, convulso. Cada poema começa com vírgula ou com reticências, como se tudo fosse um fluxo (des)contínuo de uma mente em colapso, num mundo colapsado. E daí derivam, adernam, quase nunca aportam (risos) experimentos verbais, sonoros, gráficos, visuais que se misturam a uma linguagem que, hoje, lendo a obra com o distanciamento de um pai que vê o filho adquirir personalidade própria, eu vejo que é, sim, uma linguagem impactante ou, no mínimo, que gera certo estranhamento, mas o que é a Literatura, senão um estranhamento diante da linguagem?

 

Você mencionou o imagismo. Quem acompanha sua obra, desde sua estreia com “Não Lugar”, em 2005, sabe que sua Literatura é muito imagética, mas esse imagismo nem sempre é leve ou fácil. Você não acha que, às vezes, seu texto pode se tornar hermético?

MAF: Excelente pergunta! O que eu vou dizer agora, certamente, vai soar arrogante, mas, convenhamos, se fosse para ser leve eu faria dieta e não Literatura! (risos) É sério! Se o que eu escrevo for fácil, que diferença faz na vida do leitor? Claro que a ideia não é produzir uma Literatura exclusiva para iniciados, mas, mesmo que fosse, não grande mal nisso. Ser erudito não é ser elitista! Ser exigente quanto à capacidade de leitura do meu interlocutor não é ser pedante, mas é elogiá-lo, reconhecer sua inteligência e demandar dela para que ele veja os mundos sob sempre-novas lentes. Isso não diminui jamais, por exemplo, o valor da poesia popular, da poesia de slam, da poesia letra-de-canção etc., pelo contrário, só reafirma seu valor e sua importância, até porque, quem foi que disse que é fácil ou leve ler Cancão ou Patativa? Quem disse que é fácil ou leve adentrar na imagética de Manoel de Barros ou Mário Quintana? E, de propósito, eu estou mencionando aqui dois poetas populares que se tornaram clássicos e dois poetas eruditos que têm se popularizado muito.  Um profundo senso imagético, uma linguagem provocativa não é prerrogativa da poesia erudita não! Se, por um lado, eu me filio a certa erudição, muitas vezes, por outro, será mais fácil penetrar no porão do meu convés do que mergulhar em mundos aparentemente “fáceis” e “leves”, mas que são carga densa! Experimente ler Cida Pedrosa, Luna Vitrolira ou Iaranda Barbosa, por exemplo. De início, parece que você mergulhou numa sonatinha fácil; aí, antes da segunda linha, você leva uma porrada que te derruba de um jeito que, pra levantar, é bem difícil… quando você dá por si, a sonatinha virou Carmina Burana e você que se dê ao desespero. O mais legal é que não dá vontade de sair do inferno em que elas jogam a gente. Adoro essas mulheres minhas conterrâneas. Mas, enfim, tudo isso pra dizer o quê? (risos) Ah! É, sou meio hermético, mas sou sincero (risos). Decifrar imagens é feito amar. É preciso conviver, ser íntimo delas. Um dia, quando o discípulo menos espera, o mestre fala!

 

Mas, você escreveu uma nota de autor, intitulada “Fenda Temporal”, que, de certo modo, prepara o leitor…

MAF: Escrevi. Senti essa necessidade, não por achar que o leitor é bobo e não entenderia a obra sem essa nota. Jamais! Fazendo uma péssima comparação com um gigante, é uma nota na linha “Prefácio Interessantíssimo”. Assim como Mário de Andrade fez em “Pauliceia”, a nota introdutória já faz parte da obra. É inútil, mas necessária. É interessantíssima. Desde o título! Quem entende de cérebro e de navegação já vê ambiguidades interessantes em “Fenda Temporal”… Foi a última coisa que escrevi no livro, mas, depois que escrevi, compraria o livro só para ler essa nota. Tô mandando bem no marketing, né? (risos)   

 

Certa vez, o professor da UFPE e crítico literário Lourival Holanda, que acaba de ser eleito Presidente da Academia Pernambucana de Letras, escreveu o seguinte sobre você e sua poesia: “Marcos faz parte de uma geração de jovens poetas que não resolvem o descaminho destes dias duros pela paralisação; uma geração que se resigna à não significância.”. Lourival permanece correto?

MAF: Entenda uma coisa: Lourival sempre está certo. Quando ele estiver errado, o certo é estar errado (risos). Os dias nunca foram tão duros e a poesia nunca precisou tanto exercer seu papel de arma de resistência e reexistência! A única coisa que torna essa colocação dele, digamos, datada é a expressão “jovens”. Mas, vá lá, vamos entender que juventude é um estado de espírito, não é? Então, sim. Eu vejo muito dessa fala de Lourival Holanda ainda em mim. Percebo que, em “Navios Cargueiros”, há um olhar que, apesar da dor da doença convulsiva, não consegue deixar de sentir a dor do mundo em convulsão. De fato, não me resigno à não significância. Quando me resignar, já não serei mais nem escritor nem ser vivo, eu acho.

 

E, ao trazer a sua doença para dialogar com a doença do Brasil e do mundo, você não teme que a sua poesia seja alvo, por exemplo, das polêmicas da polarização política que se tem vivido nos últimos anos?

MAF: Literatura não é lugar para covardes. Quem tem o que temer são aqueles que, na primeira oportunidade buscam logo calar a Literatura porque, diante dela, eles sim tremem de medo! Eu não faço panfleto político-ideológico, eu faço Poesia! Agora, quem quiser achar que justo a Poesia, logo ela, vai se isentar de colocar o dedo nas feridas do mundo ou não se deixar ferir para sentir a dor do mundo, que procure ler bula de remédio com alguma eficácia para seu mal e deixe a Poesia em paz, vacinada, e bem longe de sua caretice, faz favor! Medo tem quem não resiste a meio verso de um poema na boca do estômago!

 

Você poderia nos apresentar um ou dois dos textos publicados em “Navios Cargueiros”?

 

MAF: Com prazer! Separei dois aqui: um para ler e outro para ver! (risos)

 

Como foi o momento de criação de cada um destes dois textos?

MAF: “Convulsão” foi internado, no leito do hospital, em 2017, convalescendo da crise. Já o “Soneto”, bem, quem está no hospital é o Brasil, desde 2018, tentando convalescer da crise.

 

Onde podemos comprar “Navios Cargueiros”?

MAF: Para todo o Brasil, no site da Kotter Editorial, https://kotter.com.br/loja/navios-cargueiros-marcos-de-andrade-filho/ ; para quem está no Rio de Janeiro, o caminho mais rápido é pela Livraria da Travessa, que fica na Rua 7 de Setembro, n. 54, Centro, ou pelo site: e, para que habita o planeta Terra, Lua, Vênus, Marte e adjacências, o livro está disponível pela Amazon.

 

Quais os seus próximos projetos literários?

MAF: Temos alguma prosa a caminho. Pelo menos um livro de contos e um primeiro romance estão sendo preparados. Há um segundo romance no rascunho do eixo básico. Claro que, poesia, sempre estará na fila! 

 

Pois bem, estamos chegando ao fim da entrevista. Muito bom conversar de novo com o escritor Marcos de Andrade Filho, já fazia bastante tempo desde nosso papo anterior, não é? Agradecemos sua participação na Revista Divulga Escritor. Que mensagem você deixa para nossos leitores?

 

MAF: Nunca ficou tão evidente que a arte salva, que a Poesia salva, que a leitura salva. Quando levantarem armas contra os escritores e a inteligência de seu povo, lembre que fomos nós que salvamos esse povo que é seu e do qual você é parte. Leia. Leitura liberta; dói, mas Liberta! Leitura salva!

Obrigado a vocês do Divulga Escritor e até a próxima!

 

Serviços:

Marcos de Andrade Filho no Portal Pernambuco da Enciclopédia Virtual Wikipédia:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Marcos_de_Andrade_Filho.

 

***

FICHA TÉCNICA:

Título: “Navios Cargueiros”

Autor: Marcos de Andrade Filho

Editora: Kotter Editorial (Curitiba-PR)

Gênero: Poesia brasileira, poesia pernambucana

Ano: 2021

Número de páginas: 152 p.

Comentário de última capa: Cida Pedrosa

Orelha: Iaranda Barbosa

Prefácio: Leonardo Leão

 

 

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