Maria João Botelho Gonçalves - Entrevistada

Maria João Botelho Gonçalves - Entrevistada

Por João Paulo Bernardino

 

Maria João Botelho Gonçalves nasceu a 11 de maio de 1979, em Peso da Régua - Trás os Montes e Alto Douro.

É licenciada em educação, com média de 16 (dezasseis), pela Escola Superior de Educação de Bragança.

Fez as primeiras publicações quando cursava na Escola Superior de Educação: desta feita, no jornal semanário de Bragança “Mensageiro de Bragança”.

Em 2013 publicou crónicas no jornal semanário de Tomar “Templário”.

 

“Depois comecei a desmotivar-me para com as antologias. Sim, sem dúvida, as editoras são quem mais lucra com as antologias… é uma boa estratégia de marketing, com lucros assegurados. Em termos de publicidade… o impacto para o autor, não é assim tão grande.”

 

Boa Leitura!

 

JPB - Muito obrigado Maria João  por permitir aos leitores da DIVULGA ESCRITOR conhecê-la um pouco melhor enquanto escritora. E começaria por confessar-lhe que, para escrever um livro, costumo dizer que sou como um soldado preparando-se para uma batalha. Como é o seu caso: a sua preparação é extensa, medita muito sobre o que vai escrever,…? Conte-nos o seu processo de escrita.

Maria João  – Não, não faço qualquer trabalho de preparação para a parte literária. (O que foi diferente no “Um Amor que Nasceu dos Alicerces do Ódio” pois tive de fazer pesquisa sobre a guerra colonial, a leucemia, e até sobre algumas localidade em Portugal continental). Ou seja, surge um tema, surgem as personagens e surge o enredo. Se é o caso de um enredo extenso, faço um esquema de capítulos para orientação. Escrevo a narrativa como quando era jovem fazia uma toalha de quadrados em crochet: vou escrevendo num qualquer capítulo. Às vezes tiro à sorte, o capítulo onde escrevo naquele dia. Quando estou com um projecto que quero terminar em breve, tento elaborar cinco páginas por dia: normalmente não faço grandes alterações – tento atingir os meus objetivos no primeiro texto para não “perder” tempo na “menos prazerosa” tarefa de revisar. Adoro escrever, gosto menos de revisar. Depois de o texto estar completo, reviso três vezes: uma para detalhes “maiores” normalmente de conteúdo, algo que escapou, outra para arranjo de parágrafos e uma última, para detalhes de pontuação.  

 

JPB - “UM AMOR QUE NASCEU DOS ALICERCES DO ÓDIO” (2013) foi o seu primeiro livro editado, um romance histórico onde coloca a possibilidade de se amar algo que se odeia. Como se consegue retratar dois sentimentos antagónicos e porque o fez?

Maria João – A origem dessa história remonta à minha infância quando me seduzia ouvir o meu pai a contar a sua experiência pessoal na guerra. Ao longo do percurso académico fui escrevendo textos, que estão na gaveta, outros de opinião que estão publicados no semanário regional Mensageiro de Bragança, mas sempre desejei que o meu primeiro livro “público” tivesse origem nas memórias do meu pai que eu ouvia deleitada como se estivesse a ver um filme: era o meu herói a passar por aquelas aventuras. O livro foi à guerra colonial para servir de esqueleto ao racismo… um tema difícil e que pode gerar opiniões dispares, neste caso, a personagem principal é racista (extremamente racista) mas quando começa a amar contra a sua vontade, é obrigada a mudar de opinião. Depois descobre que contra o apelo invisível dos laços de sangue, não há sentimento negativo que sobreviva.

 

JPB - Ao longo dos 64 capítulos do seu segundo livro O GATO BRANCO DO BAR 42, o Gato Merlim, todo ele branco fluorescente, é a vedeta. Conte-nos o que a levou a contar a história de um gato que nasceu com o karma de fazer magia e praticar o Bem.

Maria João – Esse livro… foi um parto muito fácil. Ainda hoje não sei se o escrevi ou ele me escreveu. A ideia surgiu sem eu a procurar: num fim de semana que fui passar ao norte, pensei em juntar um grupo de personagens, aparentemente, sui generis: um funcionário de um hospício, um treinador de cães, um carteiro que escrevia cartas de amor… num determinado espaço físico. Os traços gerais foram pensados na viagem de regresso e anotados nas mensagens de telemóvel: a “sede” de escrita foi tão forte que, ainda no domingo, após uma viagem de três horas, dar o jantar à família e desfazer as malas… ainda escrevi duas horas. Terminei o livro na quarta-feira: demorou dezasseis horas a ser escrito e escrevi-o na biblioteca do Instituto Politécnico de Tomar… num determinado “cantinho” forrado com madeira e bastante reservado. Adorei fazer esse projecto: é singelo, cada capítulo estrutura-se sob a forma de pequenas crónicas que “quase” podem ser lidas fora da ordem, e com sentido de humor. Aparentemente de mensagem simples faz-nos refletir na forma como vivemos a vida… e mais não digo (risos). 

 

JPB - “Amar não é para entender é para viver, é para sentir”, diz-se. Quando escreveu esse seu romance conseguiu escrever tudo o que este sentimento lhe transmite ou sentiu, agora à distância temporal, que poderia e deveria ter dito algo mais aos seus leitores?

Maria João  – Para ser sincera não me lembro dessa frase (Não é minha, pois não?) Nunca se diz tudo quando se escreve: a escrita é uma arte inesgotável e depende do nosso estado de espírito… apesar de a “toalha de crochet” ter um modelo que a orienta, a pintura dentro dos capítulos depende do momento: do estado de espírito. Para mim, os meus livros são pinturas: enquanto o pintor pinta com cores, eu pinto com letras. E, dentro deles, independentemente da história que pode ser qualquer uma, há um traço caraterístico – uma marca de água – só minha: o meu estilo de escrita. Não me refiro a recursos estilísticos ou alguma forma gramatical que eu tenha adotado…não! Refiro-me ao modo como eu “agarro” na imaginação do leitor e o prendo ao livro. No meio de todos os livros do Universo, a minha particularidade é essa, agarrar o leitor pela descrição e pelo suspense.

 

JPB - Escreveu um texto “Eu quero sentir-me eternamente criança”, lembrando o célebre desejo de Peter Pan. Será que teremos contos infantis em breve, aproveitando a boa onda neste tipo de literatura no mercado livreiro no nosso país ou essa área está fora de questão? Comente, por favor.

Maria João  – Adorava! Sou Educadora de Infância e Professora (com licenciatura distinta nas duas áreas e experiência profissional em ambas) e, sou mãe de dois rapazes de 4 e 6 anos. A nossa casa “respira” literatura, desde os livros em tecido aos romances “tijolo”: há mais livros que roupa ou qualquer outro tipo de bem de necessidade básica. Cá em casa todos inventam histórias e saem títulos curiosos como “O Pirata da Teia de Aranha” (Guilherme 4 anos). Tenho imensos trabalhos nessa área que escrevi enquanto mãe e que adorava ver em papel mas é muito caro editar um livro infantil, logo é um projecto que está adiado. Fui convidada pela escola dos meus filhos para ir ler um conto meu, no Dia do Conto Infantil e foi uma experiência… sou escritora mas não tenho palavras para avaliar. (…)  

 

JPB - Para quem não gosta de falar si mesma, encontra nos filhos a sua maior paixão. Enquanto escritora, que gostaria de lhes deixar como legado e porquê?

Maria João  – Enquanto escritora? Uma biblioteca recheada (risos). O maior legado que quero deixar aos meus filhos é que lutem para ser livres, e que aprendam que os sonhos são possíveis de realizar. Não pretendo dar essa lição em teoria mas em exemplo: o exemplo é muito mais pedagógico que a teoria!

 

JPB - Publicou dois romances em outras tantas editoras, ambas com o cunho de se “pagar para se ser editado”. Acredito que não fosse esse o seu desejo, mas o que acha de em Portugal ser agora uma prática corrente? É-se publicado por mérito ou apenas porque se tem dinheiro para pagar a sua obra?

Maria João  – Infelizmente é muito difícil “entrar” numa editora boss. Portugal é um país que não investe na literatura; quando olhamos para o exemplo do Brasil, por exemplo, temos de baixar os olhos com a vergonha. Sempre que faço uma sessão de autógrafos tenho dois objectivos: promover a escritora Maria João Gonçalves e tentar, “tentar” fazer, do hábito de ler: uma moda.

 

JPB - É uma mulher sentimental, que adora flores frescas, “uma pessoa simples com defeitos e qualidades: em luta diária contra os defeitos...”, disse-o. Sendo formada em Educação e Professora, como vê o ensino, a leitura e a escrita nos tempos correntes e o que prevê e deseja para superar esses defeitos?

Maria João  – (Risos) A essa pergunta, eu vou “fugir” de mansinho, até porque já lhe “toquei” na resposta anterior. Sim, adoro flores: depois de um livro, é a melhor prenda que me podem dar. Adoro as cores, as formas, o cheiro e a manifestação de poder de vida que elas transbordam… tenho quase sempre na consola do hall para ser a primeira “coisa” que vejo quando entro em casa: isso, e a fotografia com um sorriso rasgado..., já percebeu de quem. Uma casa “onde há amor” não dispensa flores. Quanto à segunda parte da questão… a escola, no modelo actual, não motiva o suficiente a criança, para ser um adulto-leitor. (E esse tema (escola-leitura-escrita) dava pano para muitas entrevistas!)

 

JPB - Escreveu um texto que coloca frente-a-frente a carreira profissional e a família, onde acaba por questionar “se eu não existo eu sou invísivel/se sou invísivel, eu não existo”. Nesta dualidade carreira vs família, considera que no actual panorama conseguia vir a fazer carreira como escritora e poder assim dar mais atenção à família ou é uma mera miragem neste país cada vez mais pobre de sentimentos e valores?

Maria João – Esse texto foi escrito num momento de revolta: não é justo ao fim de catorze anos no ensino ser colocada a cinco horas de viagem diária para trabalhar, deixar os filhos na cama a dormir e não os poder ir buscar à escola e ver as emoções, do seu dia, estampadas no rosto (os comentários sobre as namoradas – nesta idade são fantásticos –, as vitórias e até as derrotas): a revolta contra o país que me fez isso, o MEU país: é muito grande! (…) Auferir rendimentos mínimos para viver como escritora? Em Portugal? Não acredito que seja possível: sou optimista q.b. mas sou realista. Em Portugal, o limite de vendas, de um livro, é 2.000, isto num autor já com um nome bastante conhecido… isso diz tudo. 

 

JPB – Chegámos ao fim da nossa entrevista, a que agradeço uma vez mais a consideração que nos disponibilizou. Tem participado bastante regularmente como coautora em antologias de poesia, contos e crónicas. É usual a Editora XPTO dizer que no momento não está recebendo originais para avaliação e, como tal, os escritores, talvez para evitarem desapontamentos, minimizem as expectativas e publiquem em antologias. Será esta uma possibilidade para o escritor de ver o seu nome conhecido ou uma oportunidade para a editora de até ganhar bom nome na praça com bons escritores iniciantes que não podem pagar pela edição de um livro a solo?

Maria João – Sinceramente, já não me seduz muito participar em antologias. Adorei a primeira experiência a convite da autora Maria Isabel Loureiro que reuniu uma série de “bons” autores num livro de muita qualidade. O conto que aí publiquei “A matança do porco cilíndrico”, ainda hoje, é uma das pinturas que mais amo e, se os livros fossem manuscritos, isto é, únicos, esse conto estaria na minha coleção muito privada e não no mercado. Depois comecei a desmotivar-me para com as antologias. Sim, sem dúvida, as editoras são quem mais lucra com as antologias… é uma boa estratégia de marketing, com lucros assegurados. Em termos de publicidade… o impacto para o autor, não é assim tão grande.

 

Contato com o entrevistador João Paulo Bernardino (JPB)

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