Viajar no sonho - Kepler - 22b - por Conceição Oliveira

Viajar no sonho - Kepler - 22b - por Conceição Oliveira

- VIAJAR NO SONHO – Kepler-22b

 

Fim de tarde. Aulas terminadas, cansado de um dia pleno de atividades, uniforme dançando em corpo franzino, um garotinho entra no ónibus cumprimentando o motorista:

- Boa tarde seu Juca, tudo bem?!

- Boa tarde Chiquinho. Senta aí minino. Tamo atrasado! Vamo lá, que o caminho é duuuuro…

Acomodado junto à janela para poder olhar a natureza enquanto a viagem rolava, Chiquinho respirou fundo. À semelhança de todos os garotos, deliciava-se com a paisagem. A bicharada que lhe era dado apreciar nas matas circundantes, mantinha-o em suspense.

No verde, muito verde, bicos amarelos de tucanos, araras, louros. Macacos sauá, gênero Callicebus (do latim, macaco lindo) e muitos bugios saltando, voando… Sob seus olhos, uma película de cinema, muito por conta do movimento que a camioneta imprimia.

Depois de uma hora, sacolejando no ónibus, surge a torre da igrejinha de S. Sebastião, no Bairro de Grajaú, onde o garoto morava.

Apeado, se despede do motorista - tchau tio!

- Até amanhã minino! Se cuida, viu?!

Chega em casa mais moído que farinha de mandioca, consciente de que “seu dia” ainda não terminara. Entra. Primeiro na cozinha pousando a sacola na mesa, depois, na saleta, feito boi pachorrento. Como um autómato, liga a televisão sintonizando o National Geografique, canal preferido. Volta à cozinha e dá uma espreitada na geladeira esperando enganar a fome. Não tem como escolher. Retira a única maçã, passa na água da torneira e principia a degustação.

Chiquinho não poderia perder tempo assistindo filmes já que a professora marcara teste para o dia seguinte. Uma dentada no fruto e se distrai olhando o ecrã – “retomarei o estudo, devorada a maçã. Preciso rever a matéria de Ciências Geográficas, é urgente para uma boa classificação!” – Cogitava.

Durante aquele pequeno recreio, atira-se para o cadeirão, descansando um pouco mas, a passagem de um documentário sobre astronomia chama sua atenção. Vidrado, ergue-se, suspendendo mastigação e respiração. Como uma estátua, segue o documentarista que dá conta da descoberta, pela NASA, de um novo exoplaneta. Ele afirma, com dados comprovados, que, lá longe, muito longe da terra, a uns seiscentos anos-luz, há uma nova esperança de vida fora do nosso globo! Recentes estudos, baseados em dados recolhidos pelo ultra potente telescópio, acoplado na Sonda Espacial Kepler, são coerentes e irrefutáveis, não deixando dúvidas. Kepler-22b, o novo planeta, seria cerca de duas vezes e meia maior do que a terra e tudo indicava que tivesse água, desconhecendo-se se estaria em estado líquido, ou gasoso.

Fazendo parte da nossa galáxia, a via láctea, orbitaria em torno de uma estrela semelhante ao sol, porém, de menores dimensões. No entanto, a distância entre Kepler e a sua estrela seria menor do que a da terra ao sol permitindo-lhe atingir uma temperatura na ordem dos 22ºC e um movimento de translação que duraria 290 dias.

O jornalista continuava a sua descrição e Chiquinho, maravilhado, nem pestanejava…

Segundo os investigadores, o sistema “solar” Kepler-22b teria tido origem e características idênticas às do nosso próprio sistema que, na sequência do arrefecimento posterior ao Big-Bang, reuniu condições para a biodiversidade.

Extasiado com o que ia vendo e escutando, melado e exausto, Francisco nem terminou a maçã. Lentamente, como um guerreiro em final de batalha, deixou-se escorregar no velho cadeirão e o soninho o venceu.

Adormecido, profundamente, não deu conta da presença da mãe, regressada do trabalho. Comovida, aconchegou o seu menino e, subtilmente, evitando qualquer ruído, desligou a TV. -“Meu querido filho, tão cansadinho! Deixa que cochile um pouco enquanto preparo a janta” – pensava. Ela que se matava trabalhando para fazer dele um homem de bem. Viviam sós. Chiquinho nunca conhecera seu pai.

Entretanto, dormia. Dormia e sonhava. Sonhava com Kepler, para onde viajava à boleia de um raio de luz que lhe chegara pela fresta do janelo (antes da penumbra que a mãe colocara na saleta).

A mais exótica das viagens que algum dia poderia ambicionar, estava-lhe reservada! Ah, mas que bom, não abriria mão de pesquisar todos os recantos do universo! Voltava-se e revoltava-se no cadeirão, eufórico, em pulgas, como se diz em bom português, mas nada de acordar… nada de medos ou enjoos. A velocidade que o raio imprimia, apesar de seiscentas vezes mais rápida do que a da luz, era suave, tranquila, retilínea.

Por fim, vislumbrou um pequeno ponto de onde irradiava uma claridade diferente da dos outros astros. Era amarela esverdeada e Chiquinho quase se sentiu em casa… Como que adivinhando o pensamento da criança, pluma flutuando, o feixe de luz foi descendo até àquele lugar. O menino nem queria acreditar… estava, mesmo, em Kepler, o exoplaneta de que falaram nessa tarde. Ou teria passado mais tempo e ele estaria confuso? Dando um pulinho, saltou da boleia, olhos esbugalhados, e agradeceu.

Junto a si, a cascata mais brilhante que alguma vez presenciara. Nem as do seu maravilhoso país eram tão deslumbrantes…

Olhou em volta, fascinado! O lugar, repleto de morros verdes soltando cachoeiras, águas transparentes onde se banhavam garotas, aves, mamíferos e peixes, na mais completa harmonia, assemelhava-se ao Parque da Serra da Cantareira, na Reserva Natural da Mata Atlântica… e, por momentos, bateu aquela saudade…

Tudo era perfeito e extasiante!

Quando o receberam, os habitantes locais lhe pareceram muito organizados. O verde do solo era tão limpo que não se vislumbrava um único papel amassado, saco de plástico, de pipoca… Havia muitas árvores, sim, quase todas do mesmo tamanho e um aroma a frutos exóticos a inundar-lhe as narinas despoluídas.

               Um rapazinho, branquelas, “Do fraco sol que tinham…” - pensou o nosso Francisco, veio ao seu encontro e falou-lhe em linguagem kepleriana:

               - Estas tre bonvena,  ke ni estas amikoj , kiom estas via nomo denove?! Como que, por milagre, Chiquinho percebeu muito bem, provavelmente uma linguagem universal que, entretanto, caíra em desuso no planeta Terra. Significava, simplesmente, isto - Seja muito bem-vindo, somos amigos, como é seu nome, mesmo?!

- Francisco. Chiquinho para os amigos, e você?

            - Infraxico, Infra por amikoj - Infraxico, Infra para os amigos. Teve a sensação de que já ali morara, numa outra vida…

- Muito prazer! Saudações de meus amigos, os terráqueos brasileiros, você conhece nosso planeta? Nosso país?

- Se conheço?! Quem não conhece o planeta ex mais bonito do espaço? Em verde, amarelo, azul e branco, em vias de extinção, poluído e algo moribundo pela incúria humana, verdade? Conheço, sim, viajamos para lá, muitas vezes, em missão de Paz! Lá, nos chamam Anjos… lhes ensinamos os caminhos do bem tentando fazê-los inverter a marcha que levam no sentido da destruição…alguns, poucos, ainda nos dão ouvidos mas, a grande maioria, principalmente os que detém o poder, não nos escutam…

- Mas, Infra, eu nunca dei conta de vossa presença por lá! Bem, eu não conheço todos os lugares da terra e, seguramente, vocês andarão pelos países mais ricos, mais modernos…

- Aí é que você se engana, amiguinho! Costumamos apanhar Feixes de Luz de qualquer estrela, aproveitamos sempre a que está com a irradiação mais ativa, e depois pairamos, quero dizer, aterramos, ao acaso, em qualquer lugar. Geralmente, os terráqueos, não nos prestam atenção! Creio que nem nos veem. Alguns, com certos poderes concedidos pelo Criador, dão conta da nossa existência… mas, a maioria, só se lembra de nós quando em apuros…

(…)

- Chico, meu filho, acorda! Você passou mais de duas horas dormindo! Amanhã tem aquele teste bem difícil, lembra? Precisa estudar um pouco! Mas, me fala, que fruto esquisito é esse, meio mordido, aqui, no chão?!

- Oi mamãe! Me desculpe, deixei-me dormir…ah, isso aí? É uma…uma maçã keplerina. Achei ela na geladeira antes de entrar no sono, quer provar? Prova, vai! É muito saborosa! Cê vai gostar!

 

 

In, A VOZ DA LIBERDADE – Coletânea de Contos, Crónicas e Poesias -  Editora Sol (Projeto Editorial Sol Além-Mar)

 

 

 

 

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