Badulaques, tão meus!
É muito interessante como vamos nos adaptando aos sapatos que nos oferecem, nem sempre eles são confortáveis, nem sempre são o nosso número e, muitas vezes, apertam nossos pés causando calos profundos. Ainda assim, ironicamente, ridiculamente, submissos, vamos caminhando com eles nos pés.
Muito do que perdemos está nesta aceitação incrédula das crenças descrentes de nossos ditadores, os mesmos que idolatramos, sem ao menos notar o quão escravos estamos nos tornando. Talvez fosse viável deixar de lado aquele plano do carro novo, e no lugar investir em uma viagem, ainda que de alguns dias, com a família, com a pessoa que você ama, com amigos ou consigo mesmo. Este investimento traz em curto prazo um prazer impagável, uma felicidade certa, mas que passa quase que imperceptível.
Acumulamos riquezas e não temos tido tempo para gastar tanto dinheiro, acumulamos compromissos, mas não temos tido vida, ao contrário sobrevivemos dia a dia. Este preço me parece demasiado, para se ter alguns itens guardados em baús velhos e desorganizados e vazios e insólitos. Cabe a cada um vasculhá-los em busca de prioridades, ou bens que realmente valham o esforço, como ver um pôr do sol ou ainda o prazer incomensurável de ver estrelas, mesmo quando as nuvens as escondem.
Ao passo que escrevo e me dilato em pensamentos que andam soltos, sem rumo certo, penso que talvez você esteja questionando sobre minha audácia em apontar-lhe o dedo para falar de limpeza em baús antigos, reservados às poeiras certas que o vento e o tempo trazem. Ou ainda posso passar a triste e enfadonha impressão de que sou uma daquelas otimistas que acham que tudo na vida se resume a uma questão de como ver as coisas que nos rodeiam. E aí, também me questiono sobre o que, de fato, quero eu ao escrever sobre trocas, permutas, ou melhor, escolhas. Sei que muitas vezes, as minhas escolhas não têm sido as mais apropriadas, contudo eu as vejo e tento, às vezes, desastradamente, pô-las em suas devidas gavetas. O que eu não permito é que elas vão para o meu baú, ele já tem reservas demais, amores demais, tristezas demais, badulaques demais. As gavetas sempre são abertas, os baús não, eles se trancam em suas lembranças, são seres que não gostam de invasores. Então, lá, pouco se mexe, pouco se visita, pouco se interfere.
Por essa razão ouso escrever sobre escolhas, oportunidades e prioridades, porque agora, adulta, descobri que a vida tem muitos baús, muitas gavetas, muitos poços, muitos abismos, mas também, entendi, não desencantada (se é isso que pensam), que todos estes recônditos, são usados conforme nosso desejo, a fim de guardar ou esconder aquilo que julgamos imprescindível. É certo, que em muitos desses esconderijos nem sempre há risos, viagens feitas ao ler um bom livro, dias de chuva ou noites de loucuras santas. Muitas vezes, eles só guardam dores profundas, que não poderiam ser maculadas, tal como a caixa de Pandora.
Não me queira mal, ao terminar de ler esta pequena bobagem que vem até você em forma de palavras, entenda que, somente hoje, eu também entendi que meus baús estão acumulando dores, as alegrias têm estado nas gavetas, contudo elas são fugidias e eu não tenho controle sobre elas.
Sim, é isso, não quero mais correr, irei pausar meu pulso acelerado e fazer a faxina que me baú pede há tempos. Vou deixar de comprar aquele sapato novo, que há muito venho namorando, vou deixar de trabalhar até altas horas, e irei comprar um sorvete na esquina da praça que tanto me encantou na infância, irei ver o sol beijar a lagoa, na tarde de verão e falarei com as estrelas que há muito falam comigo, porém eu quase não posso mais ouvi-las.
E quanto a ti, meu bom amigo? Bem, sugiro que faça o mesmo, ou ainda que faça aquilo que lhe parecer mais apropriado, afinal, sou uma tola que escreve tolices, a diferença é que acordei antes de me fechar definitivamente na indiferença do esquecimento. E, ainda que ao entardecer, compreendi o significado de escolhas.
Eliane Reis
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