DA BIOLOGIA À PSICOLOGIA: ENTENDENDO A FÉ
Calma, calma, pessoal! Por favor, desfaçam essa fogueira e apaguem suas tochas!
Não estou aqui para desrespeitar seu direito constitucional de crer/acreditar naquilo que bem entender. É sério! Gostaria apenas de provocá-lo amigavelmente para uma interessante reflexão sobre as principais razões que levam você e outras pessoas perfeitamente normais a acreditarem nas mais variadas concepções de deus ou deuses. Tal reflexão pode ser dolorosa para alguns, mas posso lhe garantir que ninguém morreu apenas por “pensar”…mentira, morreu sim, mas tenho quase certeza de que esse não será o seu caso. Então, se você ainda não abandonou este texto, convido-o(a) a acompanhar meu raciocínio nas próximas linhas, procurando, sempre que possível, avaliar suas próprias razões para crer em uma ou mais divindades. Chame isso de exercício de “autoconhecimento”, ok?!
Por que as pessoas acreditam em deus/deuses? As principais razões são:
EVOLUÇÃO
Imagine você, cerca de 3,5 milhões de anos mais jovem, perambulando tranquilamente pelas savanas africanas ao lado de Oscar Niemayer, Dercy Gonçalves e outros Australopithecus afarensis, quando, não mais do que de repente, um arbusto se move estranhamente atrás de você. Imediatamente duas possibilidades se apresentam ao seu pequeno cérebro em desenvolvimento:
A) É só o inofensivo vento movendo o arbusto. Relaxe e curta a viagem!
B) É um terrível predador prestes a me devorar. Corre, negada!!!
Se você escolhesse a alternativa A e estivesse certo, tudo bem, mais um dia tranquilo na savana. Se você escolhesse a alternativa B e estivesse errado, ou seja, caso não se tratasse de um predador, tudo bem também. Um pouco de adrenalina e uma corridinha leve pela manhã não fazem mal a ninguém. Mas se você escolhesse a alternativa A e estivesse errado, então acabaria virando almoço de um tigre dente-de-sabre e ameaçando a sobrevivência da espécie.
De acordo com a seleção natural proposta por Darwin, os hominídeos que deram origem à nossa espécie foram aqueles que “correram” assim que o arbusto se moveu, sem esperar para ver se se tratava do vento ou de um predador. Já aqueles que marcaram a alternativa A acabaram, mais cedo ou mais tarde, virando refeição de alguma criatura devoradora de gente, não se reproduzindo e não passando seus genes adiante. E o que isso tem a ver com sua crença?
Do ponto de vista evolutivo, nós humanos somos propensos a acreditar primeiro e questionar depois. Uma consequência psicológica do “corra primeiro, pergunte depois”. Por essa razão temos a tendência natural a acreditar em qualquer coisa, como deuses, ETs, fantasmas, duendes, etc., antes de submeter essas crenças ao escrutínio da razão. Milhões de anos atrás, esse comportamento poderia ter salvado à sua vida (e sua espécie), hoje pode condená-lo à ignorância e, em casos extremos, extinguir sua vida e sua espécie.
IMPOSIÇÃO CULTURAL
Essa é a forma mais eficiente de condicionarem as pessoas para acreditarem numa divindade. E é bastante simples, a partir de paradigmas culturais, seus antepassados foram ensinados a acreditarem num determinado deus//religião, então seus avós ensinaram aos seus pais, seus pais ensinaram para você e você provavelmente ensinará aos seus filhos. A maioria das pessoas sequer questiona as doutrinas religiosas que aprendeu, justamente porque as aprendeu quando ainda era uma criança. Qualquer ensinamento que você aprenda durante a infância, mais difícil será perdê-lo ou alterá-lo depois de adulto. Os jesuítas que o digam. Acontece que as culturas podem ser diferentes, mas a verdade não. Se você tivesse nascido na Grécia, por volta do século II a.C., é muito provável que acreditaria em Zeus. Se tivesse nascido na Hungria, da Idade Média, provavelmente seria um devoto de Odin, o deus nórdico. Se tivesse nascido no Iraque, na década de 1990, você estaria recitando os versos do Corão e destinando toda sua fé ao profeta Maomé e Alá, como seu único deus. Ou seja, sua crença religiosa não é definida, a princípio, pelo seu “livre arbítrio”, mas sim pelas fronteiras culturais nas quais você e sua família estão inseridos. Quando se percebe que existem milhares de religiões e deuses diferentes e excludentes ao redor do mundo, fica difícil afirmar que você escolheu o deus “certo”, enquanto os demais são apenas mitos primitivos.
MEDO
Especialmente o medo da morte e o medo da responsabilidade. Não é surpresa para ninguém que o medo de morrer nos persegue em cada esquina escura ao voltar a pé para casa, ou quando aquele carro em alta velocidade tira aquele “fininho” do seu nariz numa avenida movimentada. Pois é, pessoal, o medo de “subir no telhado” é das angústias mais antigas da humanidade. É sabido que o medo da morte motivou e ainda motiva as pessoas a acreditarem que o fim, não será o fim, mas o começo de algo qualquer a ser “vivido” pelo defunto num outro lugar, num outro tempo ou noutra existência. Perceba que a maioria das pessoas está tão obcecada em permanecer viva, que apenas a promessa de uma existência eterna pode aliviar seu medo de morrer.
Partindo desse medo, os homens primitivos criaram os deuses que são capazes de confortar os pobres mortais perecíveis com a promessa de imortalidade a ser vivida no reino encantado do além. Não é por acaso, que diversas divindades em diferentes culturas são veneradas por terem “vencido a morte”. Na cultura ocidental, Jesus Cristo é um exemplo que lhe deve ser familiar, caro(a) leitor(a). Na verdade, quem sempre quis vencer a morte fomos nós, humanos, e como não podemos, criamos em nosso imaginário personagens que por suas características sobre-humanas, poderiam fazer isso por nós. Por isso adoramos os deuses, pois em sua maioria, são capazes de vencer a morte e ainda nos dar uma carona para a vida eterna.
Agora com respeito ao medo da responsabilidade. Estamos falando aqui de mais um medo clássico que aflige esses pobres primatas com encéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor. Quantas vezes você não pediu uma dose a mais ao dono bar ao perceber que a responsabilidade sobre tudo o que acontece na sua vida é inteira e exclusivamente sua? Sabe aquela faculdade que você não terminou? Aquela palavra áspera que saiu da sua boca e ofendeu alguém de quem gostava? Sabe a seta do carro que você não ligou ao entrar no posto de gasolina e resultou num acidente? Sabe a conta de todos os cigarros que você fumou? Uma hora ela vai chegar. E a responsabilidade é toda sua, meu chapa! Algumas pessoas não lidam bem com esse tipo de responsabilidade, outras até se matam por conta dela. Mas a maioria prefere transferir ou compartilhar essa responsabilidade com alguém, no caso, deus. Quem é que nunca ouviu a célebre frase: “foi deus quem quis assim”? Essa transferência de responsabilidade a uma divindade permite transferir sua culpa sobre qualquer acontecimento ou problema da vida. Milhões de pessoas só são capazes de dormir a noite por conta dela, logo, não é de se espantar que queiram acreditar num deus assim.
CULPA
Só quem já fez uma grande “cagada” na vida pode dizer o quanto pode pesar a culpa em sua consciência. Claro, desde que essa pessoa não seja um psicopata. Mas eliminando a possibilidade de você não sentir um pingo de remorso pelas besteiras que fez na vida, convenhamos que o sentimento de culpa pode ser cruel. Para ilustrar o que digo, imagine um assassino que mata uma pessoa e depois verdadeiramente se arrepende. Caso esse assassino seja um bom cristão, bastaria pedir perdão a deus, no fundo de sua consciência silenciosa, que sua culpa seria aplacada pela misericórdia infinita do bondoso Jeová. O problema é que Jeová costuma ser pouco comunicativo e o perdão sempre vem na forma de silêncio absoluto. Tudo bem, o assassino sabe, no fundo do seu coração, que foi perdoado pelo Misericordioso Deus. Mas e pela família da vítima? Aí é que a ‘porca torce o rabo’, fera. Conseguir o perdão de um ente imaginário é fácil, difícil é convencer a vítima ou os familiares/amigos da vítima a fazer o mesmo, afinal, quem verdadeiramente sofre com suas ações são eles. Esse tipo de perdão, ou seja, o perdão da vítima é o mais difícil de conseguir na maioria das vezes. Por essa razão, muitas pessoas preferem recorrer à um ser imaginário (e silencioso), famoso por sua misericórdia (ou não), do que ficar a mercê da possibilidade de não ser perdoado no plano material. Você vai em busca do perdão mais fácil, e sua consciência agradece.
GANÂNCIA
Aquele que nunca fez uma promessa ao santo favorito para conseguir um emprego, uma aprovação no vestibular ou um PS4 no Natal, que atire a primeira pedra! Se você é evangélico, não adianta olhar para o lado e fingir que não foi com você, ambos sabemos no que você estava pensando quando pagou o último dízimo ao pastor, e não foi na paz mundial. Então, sejamos francos, muitos dos que creem esperam que seu deus irá lhes dar uma mãozinha sobrenatural para que conquistem seus desejos e ambições materiais e até sexuais. Deus, para muitos, é um provedor. Você deposita sua fé e, muitas vezes, seu dinheiro, e espera que o Criador de todo o universo irá se apiedar de sua pobre alma, presenteando-lhe com algumas moedas de prata.
CONSOLO-ALENTO
O mundo é um lugar cruel e injusto, amigos, e o que é pior, o universo não está nem aí para isso ou para você. Você levou um chute da esposa que foi morar na casa da mãe com os filhos, o cachorro e aquele periquito-australiano que você comprou por R$ 15,00, pouco antes de descobrir que seu vizinho vendia o casal por R$ 5,00. Pois é, o universo não dá a mínima. Perdeu o emprego? Seu carro foi roubado? Seu pai morreu do coração logo após descobrir que sua mãe era stripper numa espelunca ao lado da rodoviária onde sua filha se prostitui em troca de algumas pedras de crack que seu filho vende no semáforo, logo após queimar o dinheiro que deveria pagar a mensalidade da faculdade particular com vodka barata, cigarros de maconha e um CD do Mr. Catra. Sinto muito, champs, mas o universo é naturalmente indiferente ao seu sofrimento, pois o universo simplesmente não possui uma consciência para se apiedar de você e lhe colocar no colo, enquanto faz um cafuné até você pegar no sono. O universo não é seu pai ou sua mãe, mesmo assim, muitas pessoas precisam projetar uma entidade/criatura para suprir essa necessidade humana de ser consolado. Prazer, o nome dessa entidade é deus. Sigmund Freud, famoso psicanalista, argumenta que as pessoas projetam em deus o que esperariam dos seus pais, ou seja, um ente protetor, amoroso, compreensível, etc.. Faz sentido, não faz?
IGNORÂNCIA
No início da civilização humana, as pessoas conheciam muito pouco sobre o mundo à sua volta. Raios e trovões assustadores poderiam muito bem ser interpretados como a expressão furiosa de um deus ou demônio. Doenças poderiam ser causadas por bruxarias e maldições. Catástrofes naturais como terremotos, erupções e tsunamis poderiam ser traduzidos como punições divinas, nas quais apenas o sacrifício de uma bela virgem poderia apaziguar. E o que dizer sobre os eclipses solares? Ou sobre os planetas girando harmoniosamente em suas órbitas? E quanto ao “milagre” da vida? E por falar em vida, qual o sentido desta? Quem somos nós? De onde viemos? Para onde vamos? Perguntas, perguntas, perguntas…elas movem a humanidade! Por milênios nossos ancestrais responderam a perguntas como essas evocando a manifestação ou vontade de um deus ou vários deuses. É compreensível, pois nem sempre tivemos as Ciências (naturais e humanas) para responder de maneira racional aos nossos anseios por conhecimento. Hoje, já temos as respostas racionais para todas as perguntas que mencionei acima e, acredite ou não, nenhuma delas inclui deus.
Então estou lhe chamando de ignorante?
Calminha aí, amigo(a)! Não estou lhe chamando de ignorante! Bem, na verdade estou sim, mas não estou lhe ofendendo, pois, do contrário, também estaria ofendendo a mim mesmo. O que quero dizer é que somos todos, TODOS, ignorantes. Não importa o quão inteligente podem ser seus ídolos e gurus, pode apostar que eles também são ignorantes sobre determinados assuntos, assim como todo ser humano. Por exemplo, não é porque Albert Einstein foi considerado uma das mentes mais brilhantes da humanidade que isso lhe impediu de cometer erros em seu próprio campo de trabalho. O mesmo vale para mim, você, Isaac Newton, Aristóteles, Madre Teresa de Calcutá e o Manuel da padaria. Isso ocorre porque não existe um único tipo de inteligência, e sim, múltiplas inteligências e ninguém é capaz de dominar todas elas por completo.
Por essa razão, para que nós nos tornemos cada vez mais inteligentes e sábios, é necessário estar sempre em busca de novos conhecimentos sobre os mais diversos assuntos. Não se permita acomodar com o que sabe agora. Não deixe de questionar seus conhecimentos e “verdades” atuais. Por mais doloroso que possa ser perceber que você estava errado sobre algo importante em sua vida, acreditar numa ilusão pode ser ainda pior. O conhecimento e a sabedoria muitas vezes exigem que você sacrifique quem você é hoje, para ser alguém melhor amanhã. Então busque esse alguém e não acredite em algo só porque lhe dizem para acreditar! Não acredite em livros sagrados, apenas por que alguém lhe disse que são sagrados. Existem centenas de livros supostamente sagrados no mundo, todos defendendo suas próprias verdades absolutas. Também existem milhões de padres, pastores, rabinos, gurus e líderes religiosos, todos afirmando serem os porta vozes oficiais de algum deus tímido o suficiente para não se apresentar para todos. Da mesma forma, existem milhares de deuses para todos os povos, culturas e gostos, todos filhos de suas próprias culturas, produzidos a partir do medo e da ignorância humana, com a finalidade de aliviar seus medos, culpas e sofrimentos, além de canalizar sua ganância e seus desejos mais mundanos.
Por fim, não acredite em mim só porque expus meu ponto de vista. Questione-me!