Entre o tom e o verso
Que reza a tradição eu já sabia
Que desde há muito tempo existia
Entre elas um caso de amor antigo
Desses que a gente, até, desconfia.
Nasceram juntas, já era destino
Feito almas gêmeas, não se pode separar!
Seduzem, quem delas se aproxima
Fazem do concreto a arte de sonhar.
Feitas de notas frescas, eis a canção!
Nas vozes loucas e roucas, revela
Os sons de sutis arautos, violinos e violões
Que gemem e choram desmedidas paixões
De tons diversos e variados se enfeitam
No retrato e trato de Chico se ajeitam
Na ausente presença de Belchior
Nas vozes de Ana e Tom (o maior)
Nas melodias meninas e sacanas
Das malandragens de Cazuza ou de Cássia
Na voz de Elis, quando sonho e pó
Tornam-se, indiscutivelmente, um só.
Surge, ainda, em tons de denúncia
Ecos dos descasos e corrupções, eis a música:
Na sua mais nua versão! (um salve para Edu Krieger)
Denunciando a sujeira que assola a nação.
É aquarela, é Beatriz, é Um dia de domingo
Ou um dia qualquer!
É Amélia, é Ismália, outras tantas, meu bem!
É a moça da cantiga e também do trovador.
Da mesma forma segue a outra
Com suas façanhas e entranhas
Entre decassílabos perfeitos ou versos brancos
Passeia pelas mãos dos que ouvem estrelas.
Desliza, ora suave, ora encharcada de dor
No ser errante que vive em busca de si
Busca em outros eus, seu pedaço inteiro
Entre Pessoas como fez o português.
Esta que foi retrato, soneto e avesso
Linha certa, feita de inversos e segredos
Do dito pelo não dito e do isto e daquilo
Nas canções de Cecília (por que o instante existe).
O fascínio que elas transmitem é quase lendário
Está além do que sonha nossa vã compreensão
Ultrapassa o imaginário e requer alma serena
Capaz de degustar tanto a emoção como a razão.
Eis o tom e o verso descobertos
Essas duas meninas antigas
Que nos acompanham por uma vida
Respondem por música e poesia.