MORRER POR UM MOSQUITO
* Guilherme Cardoso
Morrer por causa de um mosquito. Desculpem o trocadilho, mas é o fim da picada.
Quando criança, a gente “aceitava” morrer, naquelas brincadeirinhas de faroeste, Tarzan, Zorro, mocinho e bandido, onde o malfeitor morria sempre. Todo mundo queria ser o mocinho das brincadeiras, mas alguém sempre tinha que ser o bandido, aquele que ia morrer no final. Às vezes nenhum dos meninos aceitava “morrer” e a brincadeira acabava no começo.
Não se tinha medo de morrer antecipadamente, como o peru, na véspera de Natal, ou fora do combinado, como diz o Rolando Boldrin no seu programa Sr.Brasil. Naquele tempo, e se vão mais de 40 anos, ladrão era quem roubava roupas ou galinha no quintal. Corrupto não existia, era safado mesmo, aquele dono da padaria que dava troco à menos ou o freguês de caderninho que deixava de pagar o fiado na mercearia.
Bala pra gente que era criança era simplesmente um pedaço de doce duro enrolado em papel. Bala-Chita, Bala Preta, Bala de Goma. Bala como projétil, que mata só se conhecia nas telas de cinema, nos vários tiros que os soldados davam nos índios. Era o Bem contra o Mal. Não havia tiroteio nas ruas e nem bala perdida como agora.
Mais tarde, já adolescente, cheio de vigor e idealismo, a vontade era mudar o mundo, buscar liberdades, acabar com a opressão, fazer passeatas, enfrentar o poder. “Aceitava” novamente morrer, desde que a causa fosse nobre, houvesse ideologia, abraçado em uma bandeira. Do País ou de um Sonho. Aconteceu uma “revolução”, muitos presos, outros desaparecidos e vários mortos. Todos com destemor.
Morrer faz parte da natureza humana. Ninguém escapa. Todos vão embora deste mundo um dia. Seja pobre, rico, de qualquer cor ou raça. Uns “esperam” a morte, outros a provocam, como os suicidas, os “kamikazes” na 1ª Grande Guerra e os “homens-bombas” que explodem seus corpos no conflito do Iraque. Todos por um motivo justo. Pelo menos na cabeça deles.
Século XXI, era da tecnologia, internet, virtualidade, fim das ideologias, nada de movimentos, quase nenhuma passeata, ninguém reivindica direitos. Gente morre a toda hora, de qualquer forma, por qualquer motivo, o mais banal possível. O medo toma conta, o inimigo está em volta, pode ser um país, esse ou aquele indivíduo, seu parente, seu amigo, seu vizinho. Não há mais segurança, sequer ficando em casa, escondidinho.
Agora, outro inimigo se soma aos muitos que andam por aí. É pequenino, quase imperceptível, não se vê com nitidez, mas está em todos os cantos. Gosta de lixo, água parada, suja ou limpa. O mosquito da dengue. E mata sem piedade. Diferente dos bandidos, dos assaltantes, dos corruptos, das balas-perdidas que você consegue evitar, se proteger, se esconder, até chamar a polícia. O mosquito da dengue não dá esta chance.
Pega criança, recém-nascido, 3, 5, 10 anos, sem piedade. E não distingue classe social. Não adianta ser forte e grande, adulto é atingido também. Nenhum de nós está livre. Amanhã, pode ser eu ou você. Ou nós dois.
Já pensou na dor de um pai, uma mãe, ao ver o seu filho morto, por um simples mosquito? Como aparece na televisão? Dá uma revolta danada na gente, imagina neles. Vontade de parar o mundo, sair gritando, se revoltar, cobrar respeito. Mas é por pouco tempo. A nossa memória política é curta, esquecemos tudo, a dor passa rápido. Logo, logo vem outro BBB e mais eleição. O mundo segue em frente, nos acomodamos.
Tem culpado? Sim, o povo, acima de tudo. O Governo, depois. A maior culpa mesmo é de todos nós, porque na falta de educação, saneamento e hospitais - obrigação do Estado - ficamos inertes, deixamos de nos mobilizar, pressionar, fazer passeatas, cobrar direitos, exigir providências das autoridades deste País.
Agora, é rezar e refletir. E pedir para não morrer sem dignidade. Por uma picada de mosquito.
* Jornalista e autor do blog Reage Cidadão: www.reagecidadao.com.br