TRECHO DO LIVRO MENDIGO DE DEUS ( AUTORA C. SANTOS )
Bairro Santa Helena: era uma noite chuvosa,
quando tudo aconteceu.
Eu deveria estar muito feliz por ser mãe, mas
estava triste, pois era uma gravidez indesejada.
Meus pais já tinham acertado tudo; assim que a
criança nascesse, eles a deixariam num orfanato.
Eu não podia fazer nada, era muito jovem, de uma
família pobre, tinha tudo pela frente, e uma gravidez
só ia atrapalhar meus planos, além do que não
estava preparada para uma responsabilidade como
esta.
Meu nome é Beatriz, tenho 18 anos, e estou
terminando o ensino médio. A única coisa que tenho
certeza era que eu não poderia ficar com aquela
criança, eu nunca poderia cuidar dela, se nem sei
cuidar de mim mesma. Namoro um rapaz que também
é um jovem estudante, e temos muitos planos.
Entrei em trabalho de parto, e minha mãe estava
comigo; ela nem olhava para mim, só queria que
tudo acabasse logo. Quando eu ouvi um choro, meu
coração ficou conturbado, sem saber o que sentir.
A enfermeira veio com a criança: era um menino
forte, uma bela criança, disse que queria colocar o
nome da criança de Benjamin. Tentei não me comover,
mas como não comover-se vendo um filho?
Coloquei em seu cesto um cordão, a única coisa que
ele poderia ter de mim; talvez a vida possa nos juntar
algum dia.
Meu pai levou Benjamin para o orfanato; pedi
para ele escrever o nome da criança e colocar junto
com o cordão no cesto. Espero que Benjamin encontre
uma família que possa dar a ele tudo que eu não
posso dar...
Vinte e três anos depois...
- Por favor, gostaria de engraxar seu sapato?
- Benjamin, vamos embora vai começar a chover!
- Para onde nós vamos?
- Tem um viaduto perto, na Praça de Sá; vamos,
cara!
Nessa minha vida vazia só tenho um amigo,
que sempre esteve comigo desde que eu era uma
criança. Seu nome é Antônio; ele é mais velho que
eu, sempre cuidou de mim, como um irmão mais
velho. Nos conhecemos no orfanato, eu tinha 10
anos ele 12, naquele orfanato passamos muita coisa,
ficávamos esperando uma família nos adotar,
mas nunca chegava a nossa hora.
E os anos foram passando, até que completei
a maioridade e tive que sair do orfanato. Antônio já
tinha saído, e ele era a minha única família. Sempre
me visitava, até que eu pudesse sair, e juntos batalharmos
para conseguir algo. Lembro-me que às
vezes, à noite, eu ficava pensando na minha mãe,
se tinha irmão, por que minha mãe me deixou. A
única coisa que tenho como recordação é um cordão
que ela me deixou no cesto, que mal eu fiz para ela.