A chuva - por Anchieta Antunes

A chuva - por Anchieta Antunes

A CHUVA

Parou de chover...

 

O sol voltou insolente, com  ardor abrasivo e luminescente, próprio de astro rei, que é, sem saber que o é.

Choveu a semana inteira e as flores estavam tristes, de crista baixa, sofrendo os pingos constantes, atrevidos e úmidos. De tantas chicotadas que sofreram, os galhos quebraram-se em dois, em três; viram seus ossos expostos, despedaçados e sem direito a ortopedista, sem contar com a cama de gesso ou antiinflamatório. Era para sofrer mesmo a dor do estilhaço.

As flores que conversavam entre si reclamavam do tempo insólito, rebelde e atrevido. A rosa dizia pra dália:_Amiga não sei onde foi parar minha fragrância, meu perfume que guardei com tanto carinho naquele vidrinho que você me deu no meu desabrochar; o aguaceiro levou jardim  afora e não o encontro mais para espargir bálsamos de felicidade. Não sei o que fazer sem meu principal conteúdo, o que inebria pardos e coloridos.

A dália se queixa porque perdeu suas cores pulcras que tanto embelezavam  a paisagem bucólica. Dizia: _Sem cores não sou nada, apenas mais uma entre milhões, não passo de uma estatística.

A roseira triste e cabisbaixa dizia para sua amiga dália:_Faz uma semana que não recebo a visita de meus amigos voejando ao meu redor, pulando de galho em galho, banhando-se neste pequeno lago no meio do jardim.

_De quem você está falando, amiga roseira, perguntou a dália.

_Ora de quem! Dos meus amigos pássaros. A “lavadeira” fazia o maior alvoroço quando mergulhava sacudindo suas asas, cantando uma cantiga que só ela entendia. O “beija-flor” sugava meu néctar como quem mama no peito da mãe, depois depositava um osculo nas minhas pétalas. Conheço os segredos de todos eles, sei onde nidificam, onde fazem amor, onde põem seus ovos, e onde defendem seus filhotes. Conheço suas árias de sedução e as do fato consumado. Tenho muita saudade dos meus amigos, não sei o que fazer para atraí-los para meu convívio.

_Não se apoquente, minha amiga, logo, logo eles virão, afinal o sol continua brilhando no firmamento. É só uma questão de tempo e paciência. Até parece que estou ouvindo o farfalhar das asas do rouxinol; escute, preste atenção...

Nada é perfeito para todos, enquanto as flores reclamavam do excesso de chuvas, as raízes acharam maravilhosa a semana encharcada de aguaceiros, pois estavam escondidas no submundo do imenso jardim; suas goelas  repletas de água, e já não precisavam de nenhuma ajuda de regador. Pelo menos nos próximos dois ou três meses não sofreriam as agruras da desidratação. Nadavam  no córrego da felicidade, da fartura, do “ora-pro-nobis” que nutria a cerca viva.

 

Venha mansa

como quem chora

a perda da chama,

chegue devagar

para não afugentar

o viço da manhã,

molhe pacata

como aconchego de mãe.

Aconteça serena

para não alagar

suave para não matar.

 

Aproxime-se dengosa,

diáfana, envolta

num manto de nuvens,

encoste-se molhadinha

cobrindo-me por inteiro

como uma donzela no cio,

vamos urrar juntos

por toda a eternidade.

 

O gramado, tapete verde cobrindo todo o espaço de plantas e flores, saltitava de alegria, batia palmas com suas folhinhas alegres e espigadas, luzindo a luz do sol em ascensão. Um bom ouvido podia ouvir a algazarra dos arbustos, das fruteiras e até mesmo das frutas a serem colhidas maduras prontas para serem consumidas.

O sol trouxe não só um pouco de calor como uma grande carga de jubilo, de alegria e vida florescendo no recanto da nata das flores. O jardim desfilava airoso, todo orgulhoso de suas cores, de seus perfumes e fragrâncias exóticas, expunha seu verdor como quem mostra suas qualidades intrínsecas. O sol trouxe vida e luminosidade, brilhando como um espelho dos contos de fadas.

Nem tudo estava perdido, ou melhor, tudo estava a salvo com a água que vinha de longe, caindo  no solo gretado, no lombo dos animais sedentos, nos charcos carcomidos pela seca. O chão rachado absorvia com voracidade todos os pingos do dilúvio. _Parece que fomos salvos pelo ultimo grito de socorro, diziam os sertanejos vergados de sofrimento.

A  chuva  ressuscitou  o moribundo, lavou a angustia, brilhou nas folhas, sorriu nas pétalas, e voou nas asas do imaginário.  

 

Anchieta Antunes -   Gravatá – 16/04/14

 

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