A Prenda
POR MAIA DE FÁTIMA SOARES
Sem muito dinheiro na carteira, impreterivelmente teria de lhe dar uma prenda. Não gostava de compras. De andar perdida por lojas de rua, a olhar para vidraças onde tudo parece maçadoramente igual, mas diferente do que se pretende... Além de caro! Procurava uma coisa especial e única. Que não tivesse de ser exorbitante. Cansada, sentou-se na esplanada. Aguardou o empregado para pedir um café. Olhou ao redor e reparou nas outras mulheres acompanhadas por homens. Foi disfarçadamente olhando para a roupa deles a cogitar que não queria comprar-lhe, gravatas, meias, cuecas, camisas, cintos... Muito menos, fatos. Nem as tradicionais "jeans". Sorriu, maliciosa. Claro, que… Ele ficava muito bem nu. Adorava vê-lo "ao natural". Era magro, seco, mas muito "bem-feito." As pernas musculadas, o abdómen rijo. Os glúteos, os peitorais... Suspirou. Levara o café à boca, mas fizera tremelicar a chávena. “Doida!” Pensou para consigo. Excitara-se ligeiramente ao pensar nele nu. E queimou-se! Queimou a língua, deixando escapar um gemido baixo, que outra rapariga numa mesa próxima percebeu. Entendeu-lhe o rubor. O tal ar, compremetedor no rosto que denuncia... “Ai! As mulheres.” Eles olham para nós e veem só o café derramado. O gesto desajeitado e o que isso nos aborrece. Elas, não! As mulheres absorvem qualquer pensamento mais íntimo que tenhamos. Ficam tão por dentro, ao observar a nossa expressão, que não há mais palavra a dizer.
Não se aborreceu que ela se aproximasse e lhe interrompesse a torrente de pensamentos malucos!
- Posso, sentar-me? - A rapariga transportara a sua própria chávena e o resto da torrada debicada. Propunha-se fazer-lhe companhia. Acedeu! Depois de alguns segundos de conversa, que por momentos. pensou a enfadaria, enganou-se. Concluiu que era simpática. Bem-disposta! E que, curiosamente, era empregada duma perfumaria naquele sítio. Portanto falaram, enquanto a moça acabava o seu pequeno almoço e acabaram por criar um certa empatia. Por uma ou duas vezes, deu mesmo por si de boca aberta, admirada com o à vontade da sua nova "amiga" depois de lhe ter dito por que estava ali, enquanto ela continuava a dar-lhe sugestões entre as baforadas de cigarro.
Pagou-lhe a despesa que fizera no café, após o que deram um salto à loja onde ela trabalhava. Ficou-lhe com o contacto, quando se despediram, num cartão bonito que guardou e mais sossegada, saiu do centro comercial sem grandes gastos como desejava. Meteu-se no autocarro, grata pela conversa e a leveza que esta lhe transmitira. Abençoada hora que a jovem a interpelara. Com os solavancos do transporte fechou os olhos. Agoniava-se, quando vinha nos bancos ao contrário. Era o caso. Porém o sol de Inverno na janela trouxe-lhe uma moleza doce, entre o sono e a vigilante atenção, para não deixar passar a paragem e distraíu-a do enjoo, fazendo-a “voltar” a ele. “Era tão bom, estarem juntos! Comemorarem mais um aniversário de casamento...” Os pneus, chiaram. Abriu os olhos em sobressalto. Saiu aos tropeções e correu para a porta de casa. No resto do dia limpou tudo como hábito. Cozinhou um jantar mais requintado e abusou do tempero! Tinha um bom vinho que sobrara do Natal, velas e o filhote não estaria lá à noite. O que era prfeito! Quando ele chegasse... Entregaria a sua prenda!
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Mal entrou, fechou a porta da rua. Deitou as chaves e o maço de tabaco para cima do móvel do corredor, como de costume, espreitando depois admirado para uma cozinha que não costumava estar às escuras e onde só exisitiam velas acesas. Aproximou-se lentamente com um sorriso nos lábios e percebeu um cheiro irresistível a chocolate no ar, misturado com o de especiarias, bem como, deitado em cima da toalha alva, o corpo da sua mulher completamente nu, rodeado de de pétalas de rosa vermelhas e um farfalhudo laço de presente, atado na cintura. Entre as pernas dela, havia um clássico frasco de perfume de homem e um pequeno cartão que dizia: “Abre e usa-me!”