Fábula - por Fernando Jacques - JAX

Fábula  - por Fernando Jacques - JAX

FÁBULA?

JAX

 

            João e Maria - ou Maria e João, para ser mais diplomático e cavalheiresco - formam um casal que transcende o tempo normal da existência humana e bem poderia figurar em algum desses livros que registram recordes “históricos” de toda ordem, mas o caso aqui não se prende tanto à longevidade da dupla, já que se pretende abordagem distinta, mesmo se porventura vier a faltar pormenor que escape ao conhecimento ou à argúcia do relator, pois, afinal de contas, ele é mero aspirante a escritor, sem bagagem detetivesca ou especialização em psicologia, capazes de apoiá-lo no escrutínio das reflexões e sentimentos profundos de cada um dos integrantes desse núcleo familiar, curiosamente desprovido de herdeiros, como que seus traços pessoais e seus genes houvessem de extinguir-se com eles, numa sina típica de contos de fadas e de bruxas, ou outros entes misteriosos, inconformados com a resistência do elo que sempre perdurou, contrariando até poetas que atribuíam ao amor a condição de infinito, mas jamais a de eterno, ao passo que João e Maria demonstram farta e firme propensão a ultrapassar as barreiras do tempo, as tentações da carne, as desilusões, as desesperanças e tudo mais, enfim, que constitua sério desafio à união dos casais, porque sua relação foi de fato ímpar, na medida em que oscilava entre o convívio fraternal e a interação apaixonada, conforme amigos de relativa intimidade e simples conhecidos procuravam interpretar, com todas as dificuldades inerentes à análise, uma vez que a mente humana sofre de limitações e refugia-se, constantemente, em meras analogias com exemplos da realidade cotidiana (cuja aplicabilidade se revela duvidosa), quando deveria, na verdade, ir além e buscar explicações mais abrangentes, ou melhor, convincentes, pois a abrangência certamente implica o risco de outro refúgio fácil, o do sobrenatural, não aquele Sobrenatural de Almeida, fruto da inspiração do renomado dramaturgo carioca, mas o sobrenatural mal definido, que uns associam às forças do Mal enquanto outros chegam a blasfemar como obra de deuses diversos, o que, claro está, constitui autêntica desvirtuação da história que aqui se trata de delinear, a partir da convicção de que os dois demonstraram apreciável, se não perfeita, sintonia na maneira como agiam, como tratavam as pessoas, como reagiam às injustiças sociais, como se postavam como se um só fossem, ao criticar ou apoiar iniciativas do governo, ao curtir uma boa música, ao oferecer ajuda aos amigos, ao impacientar-se com o eventual atraso da condução, ao ficar sem saber como resolver determinado problema e até mesmo ao discordar, posto que a discordância envolve certo grau de concordância de que a maioria dos mortais nem se dá conta, e aí justamente Maria e João se diferençavam dos demais, graças à consciência que retinham dos paradoxos dessa vida e que lhes permitia prosseguir juntos, para a surpresa de poucos e a indiferença da maior parte dos que partilharam de momentos com eles, curtos ou duradouros, mas, por falar em durar, convém interromper esse início de narrativa e colocar-lhe uma pausa, afinal, sem ser ponto final, dada a expectativa de que a história de João e Maria (ou Maria e João) ainda venha a continuar...

 

Novembro de 2015.

Versão alternativa de “João e Maria, a História que Não Acaba” (Ibitinema e Outras Histórias, ed. Lamparina Luminosa, S. Bernardo do Campo, SP, 2016).

 

 

 

 

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