FACTOTUM – O Barbeiro da Vila[1]
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Coletânea de “causos” comentados no salão de um singular barbeiro, em minha Vila
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Nota: Recomenda-se a leitura da Introdução, publicada no site do autor: www.mariodemeroe.org para inteirar-se do contexto dos “causos”.
Causo 7
Um motorista muito especial
O cliente que visitou o nosso querido barbeiro da Vila hoje, é um feirante japonês, simpático e sorridente. Mora em uma chácara nos arredores de São Paulo, onde cultiva hortaliças, frutas e mantém um pequeno galinhame[2], que produz os ovos que ele vende na feira, onde faz ponto três vezes por semana.
Como de costume, trouxe para seu amigo barbeiro uma cestinha bem arrumada, com frutas. Mas desta vez, continha um tipo especial de laranja, com formato pentagonal, pouco conhecida no Brasil.
─ Que laranja diferente! É de sua chácara?
─ Sim. Estou muito feliz em ser um dos primeiros a lançar essa fruta no mercado brasileiro. Ela é conhecida como “laranja de cinco lados”. Trata-se de um tipo de fruta cítrica, como laranja doce, mas com formato de uma estrela de cinco pontas. Segundo um noticiário britânico, ela teria sido criada por fazendeiros japoneses, recebendo o nome de iyokan.
─ Essas frutas são muito conhecidas naquele país. Na fase de crescimento, ainda no pé e antes de amadurecer, as laranjas são encaixadas em pequenos moldes de madeira de cinco lados, onde ficam até terminar o desenvolvimento, quando adquirem o formato de pentágonos. Minha produção ainda é pequena, mas logo poderei oferecer na feira, completou bem humorado.
─ Parabéns pela iniciativa, disse Fac, começando seu trabalho.
O japonês acomodou-se na cadeira do barbeiro e sorriu, com o olhar distante, como que relembrando algo engraçado.
─ E então, provocou Fac, de que está rindo?
─ Lembrei-me de uma travessura que pratiquei no começo de minha vida como feirante, disse o cliente, passando a contar seu “causo”:
“Nos dias de trabalho, logo pela manhã, eu trafegava com minha caminhonete pela rodovia X, onde havia um posto policial, pouco antes da entrada para o bairro onde acontecia a feira.
No início, quando passava pelo Posto, eu parava, conversava um pouco e oferecia uma cestinha aos guardas. Ovos, frutas, legumes, enfim, nada de muito valor, mas oferecido espontaneamente (nunca me pediram nada, convém deixar claro). Esse pequeno presente era recebido com satisfação pelos guardas, pois eles ficavam ali grande parte do dia, às vezes sob sol escaldante. Uma fruta fresquinha era muito bem-vinda!
Assim transcorreram alguns meses, e eu me esforçava para desenvolver o negócio, regularizar minha situação como autônomo e outros assuntos pessoais. Com o passar do tempo, não mais parei no posto; apenas acenava com a mão, amavelmente, para os meus amigos. Como mudei meu procedimento sem explicação, certa vez, ao perceberem que eu me aproximava, eles deram o sinal para encostar o veículo. Parei, e dois deles vieram conversar comigo.
─ Então, amigo, como estão as coisas?
─ Tudo bem, felizmente. E com vocês? Algum problema com meu veículo?
─ Não. Nós apenas estamos com saudades e preocupados com o amigo.
─ Obrigado, comigo está tudo bem. Por que se preocuparam?
─ Falta de notícias, amigo! Lembra-se que você sempre parava, conversava um pouco, e nos presenteava com produtos de sua chácara?
─ Sim, lembro-me. Vocês sempre foram muito amáveis comigo.
─ Aconteceu alguma coisa? Algum outro guarda o multou ou o aborreceu?
─ Não, nada ocorreu. Sempre fui muito bem tratado por vocês e também pelos outros guardas que encontro no caminho.
─ Então, por que não parou mais?
Fiquei meio sem graça, e respondi, falando a verdade:
─ É que agora tenho Carteira de Motorista!
Fac retirou a toalha do pescoço do cliente, escovou suas roupas e encerrou o trabalho.
─ Como terminou a conversa com os guardas? perguntou, curioso.
─ Bem, eles me liberaram sem nenhuma exigência, mas visivelmente desapontados. E eu, então, procurei outro caminho para meu trabalho!”
Fac despediu-se daquele engraçado, porém espertíssimo cliente.
─ Até a vista, obrigado pelo presente!