Fugir da real
'Amanheci sorrindo, às flores no caminho', como diz o
poeta na canção? Não. Apenas, amanheci diferente!
Hoje. Só por hoje - como é o lema do dependente - decidi
não chorar; ainda que lágrimas me acalentem a alma...
Hoje, decidi não chorar! Não encarar minhas dores, nem
minha perda homeopática, que goteja, lentamente, entre meus
dedos. Talvez, dissesse Poliana: Que bom que é lentamente!
Dá-me mais tempo distante da solidão e do abandono entre
quatro paredes sem vozes, sem risos... Sem olhares mudos, mas
confessam tudo.
Hoje, decidi deixar os olhos áridos. Desérticos como o Saara.
Mandei-os, sós, procurar o pós horizonte. Eles viram, por lá, uma
cortina de voal, transparente. Muito gentil, ela mostrou-lhes
o vazio dos novos tempos, que me esperam. Têm, eles, os braços
longos para um abraço interminável àquela que chega de
um porto seguro.
Também, deixou-os ver o amanhã da escuridão da noite
no dia; as estrelas e a lua-cheia partirem enlaçadas ao sol,
por se negarem a ver meus braços circularem, apenas, meu
corpo. Ou seria o meu nada?
Hoje, decidi não chorar, porque quero fugir desse "vale
de sombra e de morte". Perambular na estrada Enganar-me
até o Reino Faz-de-Conta com seus castelos, príncipes,
princesas e o "foram felizes para sempre". Quisera poder fugir
para o mundo Avestruz. Ali, se enterra cabeça na areia, para
escapar dos ardis do predador.
Hoje, não importa mais nada. Viajei pelas veredas da Ilusão.
Fugi. Estou não sei onde, mas aqui é melhor. Não existe a dor,
o medo do adeus, nem da solidão. É como se fosse o suspiro final.
Hoje, quero ser um avestruzense. Enterrar a dor. Escondê-la
de mim. Por que? Porque, hoje, decidi não chorar.
Preferi me enganar...