Futuro do Passado - por João Paulo Bernardino

Futuro do Passado - por João Paulo Bernardino

FUTURO DO PASSADO


            Se o futuro me preocupava? Confesso que não. Se perdia o sono de tanto pensar no que iria acontecer-me face à mais do que previsível destruição da Terra? Direi que nem por um momento. Se não sentia que quanto mais responsabilidade tinha sobre os ombros, mais o futuro me perturbava? Oh, isso garanto que sim! Tinha mesmo a estranha sensação de caminhar sobre um fio estendido num lugar escuro a trezentos metros de altura e sem ser capaz de enfrentar o que me poderia aparecer de repente. Todavia, mesmo tremendo por vezes com a sensação de que poderia fracassar diante dos desafios que estariam por surgir, a verdade é que não valia a pena fugir: o futuro traz-nos sempre alguma surpresa mas, "se tudo estiver sob o meu controlo, o que me pode assustar no futuro?", pensava, enquanto tentava coordenar as funções que me haviam atribuído. Oh, Céus, será possível que tenha aceitado o desafio sem que soubesse que não havia garantias nem certezas?! 

Saúdo-vos! Antes tratavam-me por Capitão João. Agora chamam-me FUT, diminuitivo de Futuro. Alguns ainda me tratam por Capitão Futuro. Poderia tê-lo dito logo no início, mas de imediato faria parte do passado e o meu nome, repito-o, é Futuro. Quem eu sou? Não sei se um andróide ou um humano cheio de grandes moléculas formadas por dezenas de átomos. Talvez um misto de ambos, mais propriamente. Mas o que interessa isso? Apenas sei que onde estou nenhum relógio marca a mesma hora. Acho mesmo que nem marca hora alguma, pois o ritmo de vida é idêntico para todos os seres. Sim, aqui ninguém vive o mesmo presente, pois o tempo é utilizado sem pressa.
2250. Não, não se trata de um número. É o ano em que estamos, totalmente assente em energia renovável e limpa, num planeta muito menos contaminado e povoado a que se deu o nome de PLATUGA. Talvez se chame assim porque a língua universal utilizada é o português, dado que, tal como no tempo das Descobertas Marítimas, também o povo português foi o primeiro a decidir-se por descobrir novos mundos pela galáxia. Pelo menos, encheu-me de orgulho, talvez por me sentir um Pedro Álvares Cabral futurista. 

Por vezes, pergunto-me se achava que a raça humana algum dia se tornaria numa vida inteligente assumindo vida em outros planetas? Suspeitava que sim, mas era muito renitente. Porém, agora, à distância dessa suspeita, era a única solução possível. Afinal, a raça humana na Terra acabou por ser totalmente destruída pela evaporação desenfreada dos mares e catástrofes solares que tornaram a vida humanamente impossível. Como se tivesse hora marcada, o planeta acabou por explodir, de modo que os sobreviventes tentaram reorganizar a tempo uma nova civilização com toda a tecnologia operante, fugindo, quanto lhes foi possível, para este novo planeta, talvez localizado o mais perto de Marte, entretanto também desaparecido, vá-se lá saber porquê. E esta foi a única esperança para que permanecessemos todos vivos, adaptando-nos a um clima bem perto da temperatura de congelação, mas tentando fazer uma nova história no universo. 

Usando tecnologia genética desenvolvida para sermos uma espécie de seres adaptados a um novo planeta, assim temos reproduzido e alimentado esta primeira colónia residente no espaço sideral. Daqui vemos muitas galáxias, porém a maior parte estão fora do alcance da nossa visão, por entre vácuos enormes e um intenso anel de poeiras e gás. É como se vivessemos num segundo solo terrestre, embora sendo a maior parte da superfície formada por rochas de saliências gigantes e vales deveras ventosos que jamais permitiriam, em condições normais, qualquer espécie de vida. Até porque não existe uma única árvore ou gota de água num pequeno riacho que seja. A água é o nosso ouro e até o próprio ar tem que ser racionado, de tempos a tempos. Esta foi a única forma que encontrámos para escaparmos a uma vida que mais nos parecia um beco sem saída. Tivemos que transformá-la e adaptá-la forçosamente para obtermos um futuro melhor. Não, não era um sonho. Ninguém queria ser escravo do seu passado mas, quando todos diziam que não podiamos fazer nada para mudar o destino, armámo-nos então em arquitectos do nosso próprio futuro. 

Sem ser este planeta, não há registo de algum outro com condições semelhantes ao da extinta Terra, talvez porque é o que tem a melhor atmosfera, mesmo que constituída em parte por nitrogénio. Poderei ainda adiantar com precisão que o mais próximo fica a uma distância de três anos-luz e tem cinco vezes o tamanho do nosso, que, por sinal, é pelo menos dez vezes maior do que a nossa saudosa Terra. Tal como eu, existem várias espécies neste lugar, masculinas e femininas. São pessoas super inteligentes e robustas, que se vão reproduzindo a uma velocidade superior à dos humanos terrestres e com uma inteligência deveras anormal.

Desde sempre, ao comando das operações por mim delineadas, existe uma equipa multidisciplinar a viajar de planeta em planeta, com a mais sofisticada tecnologia, em busca de terra para criar colónias, sempre na quase vã tentativa de resolver o problema de toda a população: a falta de água. Percebemos que este nosso território tem uma variedade similar de plantas e animais comestíveis capazes de viver em climas extremamente adversos, só que a atmosfera é diferente do que a que tínhamos na Terra e torna-se difícil podermos desenvolver qualquer tipo de agricultura ou algo similar. Assim, é em laboratórios que criamos toda a nossa alimentação, mesmo que seja apenas para a única refeição diária de que necessitamos. Aqui, além da falta de água, torna-se difícil adaptarmo-nos ao ar para respirar, talvez pela pressão dos remoinhos atmosféricos contrários aos ponteiros do relógio. Para reduzirmos a enorme onda de metano que lhe dava um ar azulado, instalámos diversos destiladores que, inclusive, permitem que o centurião de asteróides que circula pelo espaço não embata no nosso planeta. Além disso, várias colónias têm sido estabelecidas em locais estratégicos nos planetas que giram nesta órbita, para podermos aumentar estruturalmente todo o território. São povoadas por uma espécie de meia-idade onde, compartilhando tecnologia altamente sofisticada para a construção de pequenas células habitacionais, centros de mineração e de algo parecido com fábricas, têm permitido a obtenção da matéria-prima no seu estado mais puro, para que a possamos transformar mais tarde em água, de longe o bem mais precioso neste lugar.

Todavia, desde que nos abrigámos aqui, a civilização enche-se de esperança com este novo recomeço, cientes de que não devem repetir os mesmos erros do passado. Não falamos da busca desenfreada de riqueza já que por aqui ninguém precisa comprar nada, pelo que não há mudanças profundas na sociedade. Doenças também não existem devido ao avanço da tecnologia que, com um pequeno nanorobot inserido no corpo de cada um de nós consegue controlar todos os órgãos e manipulá-los geneticamente se assim for necessário, de forma a não deixá-los envelhecer e muito menos morrer. Não sabemos se, devido à falta de gravidade ou aos gases circundantes, acabámos por sofrer de mutações morfológicas.Todos temos cerca de dois metros de altura e a cor da pele tem um tom de café. Na verdade, não existem quaisquer diferenças de cor. Mas que não se pense que não somos capazes de amar, sofrer, ferir, ajudar. Ou até de querer parar o Tempo, voltar no Tempo, prever o Tempo. Isso não muda, talvez por não ser uma coisa etérea mas um lugar. E é nele que vivemos sem parar, mesmo tendo um calendário padrão por nós adaptado.

Aqui não existe opressão ou exploração de um ser por outro, mesmo que a procura da água a isso pudesse levar, mas reconhecemos que o trabalho é um acto de solidariedade, onde todos ajudam todos em igual medida. A busca do prestígio e a ganância não se executam por aqui e, assim, o que se conheceu como sobrevivência e opressão deu lugar a condições de igualdade. Mesmo a xenofobia e as guerras foram alteradas por compromissos de honra entre os vários planetas por onde alguns de nós se espalharam para que se colonize a galáxia e se proteja as novas gerações. É certo que o preço de tudo isto foi perdermos a nossa identidade como humanos e o planeta Terra, berço da humanidade, autodestruíndo milhões de seres naquele inferno nuclear. É um preço bastante elevado mas, entre morrer e escaparmos por um triz, talvez tenhamos sentido a obrigação de optar por prorrogarmos a vida. 
Mas, meu Deus, por vezes dou por mim a observar todo este movimento galáxico gravitacionalmente ligado e a questionar-me se, pela possibilidade de um regresso à Terra ainda ela existisse, gostaria de trocar tudo isto!? Curiosa a minha expressão facial, quando as sobrancelhas se curvam de forma ascendente e sorrio sempre com isso. Ahhhh, como adoro o passado...! Que saudades da minha velhinha Terra... Que saudades....! Claro que trocaria. Imediatamente! Imediatamente!


João Paulo Bernardino - Escritor

 

 

 

 

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