Joel Gonçalves - Entrevistado

Por Shirley M. Cavalcante (SMC)

 

Nascido em Santo Antônio do Salto da Onça, agreste do estado do Rio Grande do Norte. Cresci em São José do Campestre. Uma cidade pequena, onde a agricultura fora devastada pela praga do bicudo e seca que perdurou por sete anos. Por um galão de água vi um homem morrer próximo a escola que estudava e isso me motivou a escrever. Nesse município 66% da população era considerada analfabeta no começo dos anos 2000.

Para fugir dessa realidade me dediquei aos estudos, aos 16 anos passei em primeiro lugar para o curso de ciência da computação na UERN, no campus da cidade do Natal, capital do meu estado. Fui presidente do centro acadêmico do curso, participei de projeto de inclusão de jovens e idosos (ensino de informática básica). Projetos de pesquisa e eventos. Em um desses eventos pude conhecer professores da universidade de Sorbonne (palestrantes). Comecei a publicar em 2006. Desde então, fui finalista em vários prêmios, com destaque para o Siemens Student Award Brasil (2011).

 

“Sofia faz isso, e o faz com tamanha intensidade que o choro é inevitável em vários trechos do livro. Nas cenas de violência ocorridas na ditadura ricamente detalhadas pode causar um trauma.”

 

Boa Leitura!

 

Escritor Joel Gonçalves é um prazer contarmos com a sua participação na Revista Divulga Escritor, conte-nos o que o motivou a escrever “Sofia, meu mundo caiu”?

Joel Gonçalves - O prazer é meu em poder fazer parte deste projeto.

Escrever foi a forma que encontrei para romper com a realidade que me cercou por toda infância e juventude, de impunidade e pobreza. A seca, a pobreza, os crimes, parecia não haver lei no interior do nordeste brasileiro. Sofia é um livro em que descrevo parte do que minha família passou, do que eu presenciei ou ouvi de meus avôs e amigos que viveram a ditadura.

Minha avó que precisou dar a luz em outra cidade. Minha tia mais velha trabalhou por um longo tempo em um hospital sem luz ou água, por um motivo absurdo: era contrária ao prefeito da cidade. Ela e alguns outros resistiram e foram indenizados no começo dos anos 90. Não havia aquela época lei ou direitos humanos no Brasil. Essa escuridão dominou nosso país por anos, e hoje pagamos o preço por termos anistiados todos aqueles que cometeram crimes naquela época. Eles continuam no poder!

Hoje parece absurdo falarmos disso, mas ainda há pessoas que são renegadas por não terem um lado ou estarem em lado oposto ao poder.

 

Quais os principais desafios para construção do enredo que compõe a obra?

Joel Gonçalves - É um livro profundo, um desabafo, com cena fortes e reais, os personagens são fictícios. Jamais sonhei ser capaz de escrever tal livro, um desejo sufocado pelo tempo e que ressurgiu com as manifestações de 2013 no Brasil. Entrei em choque ao ler cartazes pedindo a volta da ditadura, que tipo de pessoa pede isso? Comecei a escrever Sofia tendo como foco e base aquilo que sabia da ditadura, pelo que minha família havia passado, pelo que amigos passaram e nada disso havia sido escrito.

Se senti confiante para ir mais fundo nos personagens após o sucesso do livro “O coração negro, as cinzas de um 27 de janeiro”. Livro esse que figurou várias vezes entre os mais baixados pela Amazon do Brasil desde seu lançamento.

Sofia é um livro intimista, para descrever o Brasil e quanto ainda não sabemos dele ou não queremos revelar. A literatura brasileira esquece facilmente os problemas e basicamente descreve uma realidade que não mais existe.

Acho que desde “Vidas Secas” pouco ou quase nada se escreveu para descrever a sociedade brasileira, seus problemas, conflitos e desafios.

A vida no campo é narrada como bucólica mas com conflitos pessoais intensos. Tais conflitos irão marcar para sempre os personagens, suas ações serão fruto de fatos ocorridos no passado. A narrativa transcorre por oito décadas, uma homenagem a Gabriel Garcia Marquez e “Cem anos de Solidão” contemplando a diversidade das crises vividas no Brasil, com especial detalhe para a ditadura.

 

O que o levou a escrever o livro em primeira pessoa?

Joel Gonçalves - Quando eu escrevi “O coração negro”, uma leitura da Irlanda disse-me que meu texto parecia ter sido escrito por um francês, questionou-me se gostava da literatura francesa. A parte mais lembrada e elogiada deste livro foi justamente aquela que escrevi em primeira pessoa, descrevendo o sentimento e os conflitos de um jovem em coma profundo.

O cenário de “Sofia” seria o mesmo que “O coração negro”, apesar de haver mais vida e fatos em “Sofia”.

Dois grandes nomes da música brasileira influenciaram a decisão final da narrativa, Chico Buarque e Elis Regina. Chico compôs uma música que particularmente adoro ouvir na voz inconfundível de Elis Regina (“Deus Lhe Pague”), que tem as seguintes frases:

“Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir

A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir

Por me deixar respirar, por me deixar existir

Deus lhe pague”.

Quando comecei a escrever “Sofia” eu tinha em mente captar essa fúria da juventude sufocada pela ditadura, o remorso e a angústia (personagem Maria). A perda da infância e a crise de identidade vivida por uma jovem vítima de abuso (Sofia).

Ler Sofia é ver-se no espelho, por isso está escrito em primeira pessoa, para que todos se sintam e sintam o que ela sentiu. É um livro para refletir e questionar.

 

Como foi a escolha do Título?

Joel Gonçalves - O título que havia pensado era “Muito além do meu eu”, achando eu que assim captava a essência do livro. Uma amiga (Carolina Souza) minha que é graduada em letras e defensora dos direitos humanos, leu meu livro. Me disse certa vez que por quinze dias após o termino da leitura caminhava pelo Rio de Janeiro, a procura de Sofia. Via ela em mulheres, poderia ser qualquer uma. Me escreveu chocada com o livro. Após seu relato troquei título para Sofia.

Disse-me ela: “mundo caiu” com a trajetória da personagem e que era impossível não amá-la. “Sofia, meu mundo caiu”, tornou-se o título desde então. E a Carolina e eu decidimos desde então trabalharmos em um livro juntos. Um livro que irá trazer a tona a pacificação das favelas no Rio de Janeiro.

 

Quais temas estão sendo abordados nesta obra?

Joel Gonçalves - A mudança da sociedade rural para a urbana contextualizada num primeiro momento. A ditadura e seus objetivos de desenvolvimento, ou seja, perseguição e isolamento com industrialização acelerado mas concentrada. E como, diante do caos uma sociedade é construída.

O sofrimento e a vida das minorias. Com o tempo, talvez, meu livro seja considerado feminista por abordar a mulher não como figura mas como dona de sua vida. Os personagens femininos foram especialmente criados para serem avassaladores e catalisadores das mudanças sofridas pela sociedade brasileira.

 

O que mais o atrai em “Sofia, meu mundo caiu”?

Joel Gonçalves - A jovem Sofia, mas ela só aparece por volta da página 60 do livro impresso. Essas primeiras 60 páginas descrevem “meu mundo caindo”. A família perfeita representa e descrita pela personagem Maria. Maria quer um casamento feliz com um homem rico, roupas e joias e na primeira oportunidade mata seu pai, vê sua mãe suicidar-se, perde dois irmãos para a segunda guerra e não compreende o motivo pelo qual mesmo casada com um homem rico, morando na capital. Mesmo assim ela não se sente feliz, falta o pai, sua mãe. Maria cria seu irmão mais novo para tornar-se um grande homem. Esse jovem será um dos maiores torturadores da ditadura, matando cruelmente muitos e violentando Sofia. Pedro tem um filho, criado por sua irmã (Maria), seu filho casa-se com Sofia (estrupada por seu pai).

O olhar de Sofia para a sociedade e si mesma é intenso, nada passa por ela. Ela luta pelos outros como gostaria de ter forças para lutar por si. É uma mulher que sobreviveu com cicatrizes a seu tempo, mas não trás rancor pelo sofrimento, mesmo sentindo nojo pelo próprio corpo. Todas as cenas com ela são intensas, questionáveis e detalhistas.

A cena de tortura a qual Sofia é exposta é cruel, mas apesar dos 50 anos que nos separa, parece ser um retrato de uma reportagem de hoje cedo. A violência contra a mulher é cada vez maior e mais brutal, a punição no entanto...

 

Na apresentação do livro a obra é recomendada a todos (que não sofram de depressão), o que leva o enredo da obra a não ser indicado para pessoas depressivas?

Joel Gonçalves - É uma questão séria, principalmente pelo atual momento da sociedade brasileira de perda de identidade. Pessoas são mortas por qualquer motivo, pouco tempo atrás um pai abraçou seu filho na rua e ambos foram agredidos, poderiam ter morrido. Os agressores acharam que se tratava de um casal homoafetivo. Não veremos isso em livros de história, a história é contada privilegiando um lado. A literatura por outro lado tem o papel de descrever intimamente a sociedade, por um período de tempo.

Sofia faz isso, e o faz com tamanha intensidade que o choro é inevitável em vários trechos do livro. Nas cenas de violência ocorridas na ditadura ricamente detalhadas pode causar um trauma. Minha amiga ficou em choque por quinze dias, o que dizer daquelas pessoas que já estão em soque por motivos emocionais diversos. Mas pode ser lido por qualquer um que queria se questionar. O papel da literatura é este mesmo, o de ir a fundo no inconsciente do ser e da sociedade.

 

Onde podemos comprar o seu livro?

Joel Gonçalves - O livro foi censurado, as editoras queriam que eu retirassem vários trechos do livro, por considerarem pesado demais. Algumas até sugeriram que eu retirasse a ditadura do livro, pois isso poderia gerar algum tipo de processo.

Acho que escrever é uma arte, mas como toda arte ela precisa libertar, isso claramente exige que tenhamos força para lutar pelo que acreditamos. Desta forma deixei de lado as opiniões e publiquei pela Amazon integralmente e com exclusividade, até pagam mais que as editoras convencionais. Escrever sobre a ditadura é um tabu no Brasil!

E-book: 

https://www.amazon.com.br/Sofia-mundo-Cora%C3%A7%C3%A3o-Negro-Livro-ebook/dp/B017GE77PS/ref=pd_rhf_dp_p_img_1?_encoding=UTF8&psc=1&refRID=2KERKTJ2WR3J14QPVW4S

Impresso: 

https://www.amazon.com/Sofia-particular-Joel-Goncalves-Oliveira/dp/1533311501/ref=sr_1_cc_1?s=aps&ie=UTF8&qid=1483215722&sr=1-1-catcorr&keywords=joel+oliveira

 

Você está construindo uma promissora carreira profissional, em sua escrita encontramos livros de inovação tecnológica, ficção e romance, conte-nos quais os seus principais objetivos como escritor?

Joel Gonçalves - Ver além do meu tempo! Desde que saí de casa tenho um único objetivo: fazer o melhor que posso com o que tenho disponível. Depois que graduei isso virou marca pessoal. Eu poderia ter seguido carreira em várias áreas, mas preferi investir em microtecnologia. Tive trabalhos aceitos em importantes eventos e jornais. Devo isso ao fato de estar aberto a mudança.

Meus livros começam com um desenho, faço uma tela inicial do personagem principal (tenho algumas telas guardadas comigo). Expresso toda a intensidade nesses desenhos e quando passo para o texto ele tem vida, intensidade.

Tenho aprendido muito nesses anos, pensado e escrito cada vez mais e sinto que meu grande livro está próximo. Aquele livro que deixará minha marca, e que com o tempo, talvez, lembrem dele e esqueçam de mim.

Penso em algum momento expor em um mesmo local os livros e telas, lado a lado.

 

Pois bem, estamos chegando ao fim da entrevista. Muito bom conhecer melhor “Sofia, meu mundo caiu” do autor Joel Gonçalves. Agradecemos sua participação na Revista Divulga Escritor. Que mensagem você deixa para nossos leitores?

Joel Gonçalves - Descubram-se por dentro, leiam com o ar de um inquisidor, questionem-se. Quebrem barreiras e tabus e sigam em frente. O mundo dá voltas e aquilo que semeamos no passado o vento leva para longe, os pássaros se encarregam de conduzir nossas sementes e lá na frente veremos resultados incríveis, inimagináveis, afinal tudo começa com um primeiro passo.

 

 

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