Lembranças de meus avós - por Camen Jacques Larroza

       Hoje, optei por um tema diferente. Não falarei da rotina, de vivências femininas. Decidi revelar-me. Acho que meus leitores queridos,  devem conhecer um pouco da minha história. Decidi falar de meus avós. Dois bens preciosos que tive e que a vida ou o tempo já carregou, mas que, jamais os arrancarão de minha lembrança.
A neve já dormia em seus cabelos, linhas paralelas profundas já haviam sido desenhadas nas suas faces, denunciando o passar dos anos e os sacrifícios  da vida. Os lábios finos de meu avô eram emoldurados por um bigode, enquanto minha avó os tinha carnudos e pequenos, marcados, porém, por um sorriso constante, carinhoso, meigo e perdoador.
Amava quando vinha até mim, me chamando de "Carminha". Sorria sob os óculos e me fazia carinho. Era um costume seu, estar "alizando, esfregando" o braço de alguém. Fazia parte de sua personalidade o dar amor, o acarinhar, o sorrir, o ensinar a ser bom, a respeitar a  Palavra de Deus e Seus ensinamentos. Parte do seu dia-a-dia, às dezoito horas,  o seu devocional, sentadinha na cama, sob a luz de uma vela, quando o inverno levava o dia bem cedo. Naquela época, a energia elétrica, não havia chegado ao campo. Dali, ela só levantava após cumprir seu dever de cristã e de filha de Deus.
Servia a janta. Meu avô era rigoroso quanto aos horários. Nada podia atrasar,  senão ficava nervoso. Após a refeição, eu juntava a louça. Ela lavava, eu enxugava e guardava. Óh! Senhor estou vendo o filme de minha meninice. Choro, porque não é DVD e jamais poderei vivêlo de novo. A saudade dói, mas me conforta, por que recebi muito amor deles dois. E quem não se rende ao amor, ao carinho, ao cuidado zeloso? Eu os amava e temia perdê-los.
Éramos muito pobres, mas havia a fartura do querer bem.
Passava minhas férias escolares inteiras - inverno e verão - na sua casa humilde e bem cuidada.
Quando eu chegava, faziam uma festa bem farta de abraços, sorrisos, carinhos e mais e mais abraços na suas Carminha. Ela sempre me esperava com minha sobremesa preferida, sagu com vinho, bem cremoso. Ele me esperava com o baralho bem limpo para jogarmos "Escova", após a sesta ou após o jantar. Minha cama já estava arrumada, para acolher o meu sono e meus sonhos infantis e depois juvenis. Que cama cheirosa, gostosa! A melhor que já dormi, porque era feita de amor. O que as outras não têm.
As pernas cansadas das jornadas embrutecidas da lida da vida, conduziam-no aos pés das acácias, ao lado direito da casa, que parecia chorar a saudade que, um dia, viria, na final despedida.Até hoje, sinto o aroma das flores das duas acácias, plantadas por ele distando uns quatro metros. Nesse espaço foi posto uma tábua para servir de assento, na hora da fresca. Cheiro de acácia, cheiro de infância, cheiro de sonhos, cheiro de vida, cheiro de amor!
Ali, ele sonhava com uma vida melhor nos seus olhos pequenos, profundos, que ainda guardavam um quê de juventude. Eu sentava a seu lado e ouvia atenta. Olho no olho, encantada com sua atenção de conversar comigo. Como eu era importante, gente grande, durante aquela aquelas prosas!
- Tu e os outros meus netos, terão vida melhor, porque eu não pude estudar. Estudem. Estudem muito! Sejam doutores, ou professores, mas sejam. Suas mãos alisavam meus cabelos, enquanto me olhava e profetizava um futuro melhor.
 Os pássaros faziam algazarra, voavam para bem longe, como um pensamento que se perde distante e não sabe o lugar de onde partiu.
Muitas as vezes, só nós dois, ele cantava prá mim canções antigas que visitavam  sua mente saudosa, no final do dia, ao entardecer. Horário em que a melancolia costuma invadir uma alma. Ainda mais aquela, já velha e desgastada! Como cantava bem! Interpretava, não cantava, cada verso com sentimento dando vida aos personagens. Eu embevecida ouvia e aguardava o final daquela história em melodia. Também, quando dizia "agora escuta esta". Eu não sabia explicar o que via, mas aquele cantar mudava o meu avô. Éramos duas crianças felizes a sonhar e a visitar uma história de amor!
Pela manhã, após o café, minha vó e eu, arrumávamos as camas. Ela varria, eu tirava o pó e colocava a pazinha, para recolher o lixo. Mais tarde, iríamos à cozinha. Eu? Descascava batatas, abóbora ou cenouras, enquanto ela, com a faca grande, cuidava da carne. Óh! Jesus como lembro coisas que pensava dormirem sono profundo no inconsciente. Lembro até de seus frequentes supiros: "Ai, Deus meu".
Ela no trato da casa, do alimento; ele, na horta tirando a praga, revolvendo a terra com enxada e plantando o que breve seria, também, o nosso alimento. Com ele tudo era cronometrado: "Cada coisa tem sua hora marcada".   De certa forma, ele repetia Eclesiastes: "Na vida há tempo prá tudo".
"Vô, o almoço está pronto, eu chamava". E tudo se fazia outra vez, conforme o ciclo da vida, fecundar, gerar, nascer, crescer e morrer. É... "cada coisa tem sua hora marcada".
A noite, pós jantar e tudo arrumado, ele e eu jogávamos "Escova", enquanto minha vó fazia crochê. Coisas lindas trabalhadas, colchas, toalhas, almofadas... Vendia para ter seu próprio dinheiro. Ah! Não posso esquecer!  Meus blusões de tricô nunca faltavam nos invernos do vento Minuano.
Meus aniversários, julho, sempre me fazia feliz. Mostrava-me  que eu era importante, que me amava fazendo bolinhos de arroz, com bastante orégano colhido na horta, sagu com vinho, bem cremoso e doce de abóbora.
Hoje, vejo suas fotos, papéis mortos, que tomam vida nas minhas lembranças e dizem "Meus queridos, meus velhos, meus amigos". Que pena, mas "cada coisa tem sua hora'!

publicado 16/04/2014

 

 

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