Memórias doces... Tempos Amargos - por Maria de Fátima Soares

Memórias doces... Tempos Amargos - por Maria de Fátima Soares

Memórias doces… Tempos Amargos

 

Era sempre o mesmo. Todas as manhãs mal saía e passava por aquele local, o odor doce e quente do chocolate a ser fabricado entrava-lhe narinas dentro, fazendo-a quase levitar. Se levitava… Não só as papilas gustativas lhe segregavam água, para uma boca sedenta dum bom quadrado sem recheio, ou negro… Estivesse, ele à mão! Como palpitavam por vários, com qualquer licor ou fruto seco impregnado. Passava-lhe logo o desejo para o de leite, ou branco. Ficava completamente desorientada, imaginando-se dentro da fábrica e uma das operárias! Na tragédia que seria estar ali, com todo aquele chocolate “à mão” de semear e poder degustá-lo!

O pensamento fugia-lhe e começava a divagar por outras “paragens” e aplicações a dar-lhe com o 14 de Fevereiro à porta! Hoje em dia, desde as massagens que culminavam no delírio dos sentidos experienciados a dois, o chocolate era o rei! Juntassem-lhe natas! Mel, ou outros ingredientes ao devaneio, cuja inspiração maior, ou menos apurada, nos faria passar momentos inesquecíveis…

Recordava-se bem, como em jovem se deslocava para a escola e tinha de subir as escadas na Rua Luís de Camões, onde ficava situada a fábrica da Regina, (que um dia mais tarde, viria a visitar em companhia da restante turma) como era pecaminoso o odor a chocolate! Tanto, que nessa visita de estudo, em que a maior parte do tempo se ouviu a professora numa voz de fundo, muito fundo mesmo fruto da distração e da brincadeira que a suposição, sobre poder levar tudo aquilo para casa, foi uma constante. Questionava, ainda, actualmente sobre poder essa, uma das profissões melhores que alguém pode ter. Fabricar e embalar chocolate!

Não parecia ser preciso muito estudo ou técnica, na altura. Reconhecia como estava enganada. Tudo tem o seu “míster” e dentro dele, o seu “segredo.” Porém a fábrica fechara das suas recordações de infância. O mesmo sucedera á da Favorita? Não tinha bem a certeza, só que ultimamente começava a ver no mercado, aparecerem de novo, as sombrinhas do chocolate que adorava lamber. Uns pequenos chapéus-de-chuva delicados, embrulhados em papel brilhante, colorido. Lamentava o que fica por detrás e tem a ver, com o desemprego de famílias inteiras e não se sabe. A perda de fábricas de referência, num país em que o produto vende bem, como em outros e que eternamente terá os seus fãs, por isso mesmo, não compreendia como faliam.

Era, acima de tudo, triste ter visto tudo aquilo a funcionar e hoje ver os edifícios vazios. Abandonados! Muito cruel, também, era fazer o seu percurso sem aquele cheiro que a seduzia e se ia mais mal disposta, desmotivada, por um acordar caótico a punham logo “nos eixos.” Mudavam-lhe o dia para muito melhor!

 Tudo passa. Tudo acaba! Até a meninice e metade das ilusões, tinham passado. Hoje era mãe de duas filhas! Sabendo que de chocolate, extremamente perfumado e doce, a vida tem muito pouco. Odores bons e de estímulos, que dão outra disposição, então quase nada. No entanto por ironia do destino, continuava a morar perto. A fazer o mesmo percurso para o trabalho. Rememorar tempos que não voltariam mais. As sombrinhas? Essas, tal como as modas, voltavam a estar na ordem do dia, mas vinham muito mais “elegantes.” Quando as comia, lá atrás, eram “baixinhas” e “nutridas.” Brincava com elas nos dedos e quando chovia, fazia de conta serem o seu chapéu.

Que belos tempos! Afinal? Eram… Sombrinhas. Como as de senhora que existiam na altura, tão bonitas e delicadas. Pois! Hoje de delicadeza pouco também existe. Respeito está em vias de extinção. As sombrinhas (de chocolate) tinham vindo agora “à luz” muito magras e muito altas. Não que fosse mau, mas gostoso também não era. Pelo menos, não tão gostoso. Tinham menos substância para trincar e lamber.

Mas também as outras que resguardavam da chuva tinham perdido a graça. Mais pareciam chapéus de homem, variando só no padrão, vendidas por todo o lado. De muito fraca qualidade, prontas para ir para o lixo na primeira ventania. Hoje? Ou é por ser já mulher que tudo perdeu a magia. Quando se é criança tudo é sonho, belo e colorido… Agora nada parecia ter a mesma graça, ou gosto! O que a deixava um pouco desgostosa. Com a nostalgia do cheiro, aparência e do tempo em que corria e brincava despreocupada, sem saber o que é o desemprego! A crise instalada, num país onde se gastou acima das possibilidades, mas muito por culpa de quem também não soube administrar. Parece que nunca voltará a ser o que era! Reincide-se sempre no erro. Tal como de votar nos mesmos, que ano, após ano, esses sim… Lapidam tudo. Riqueza. Direitos. Orgulho nacional, património, moeda. Suspirou ao cruzar a porta do emprego, para mais um dia de labor. Dava graças por o ter, afinal tantos procuravam em vão, em mais um dia frio e enevoado de inverno, em que um chocolate quente faz milagres pela alma…

Sentou-se na secretária e sorriu! Começou a desempenhar as suas funções enquanto cogitava, que numa das próximas pausas a meio da manhã, em vez do café pediria ao senhor do quiosque, um chocolate quente. Se havia coisa que adorava era isso. Quando nos cafés lhe serviam na chávena, ao lado, um pedacinho de chocolate delicadamente embrulhado, juntamente com o café.

 

Maria de Fátima Soares

 

 

 

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