Modernidade: Uma estagiária no Olimpo - Mário de Méroe

 

Por Mário de Méroe

Dizem as lendas que os deuses e deusas da Grécia vivem no monte Olimpo, que de tão alto chega a tocar os céus, e são imortais graças a uma bebida mágica, o néctar, e a uma iguaria deliciosa, a ambrosia. A ociosidade e os intermináveis banquetes são suas marca registradas. São amados, mas temidos pelos gregos, em razão de sua constante instabilidade de humor. No mais, no Olimpo, tudo é perene, imutável, eterno...

Mas no decorrer dos milênios, a eterna placidez daquele panteão foi sacudida pelos reflexos da modernidade, que finalmente alcançaram o refúgio dos deuses na pessoa de uma moderna estagiária, descolada, que estremeceu seus costumes milenares, avessos às mudanças por sua própria natureza.

 

E então...desabou a tormenta!

 

As deusas começaram a implicar com o nome dela.

─ Por que Anastácia? Inquiriu Demeter, a deusa da terra cultivada, das colheitas e das estações do ano. Todos sabem que, em grego, o nome deve ter a forma Anastacia, com ênfase no “i”.

─ Talvez seja para nos irritar, acrescentou Atena, a deusa da guerra, vendo nisso uma rara oportunidade para mostrar seus talentos bélicos, já emperrados pelo prolongado desuso.

─ Ela tem a ousadia de tentar me superar, suspirou Afrodite, a deusa suprema do amor e da beleza corpórea.

─ E está conseguindo, ironizou Eros, o deus-arqueiro do amor, que se diverte lançando flechas sob o pseudônimo de Cupido. Ela é jovem, linda, e ouvi dizer que costuma malhar na academia...

─ Você é apaixonado por ela, e perdeu a noção de nossa divindade, redarguiu Afrodite. Sempre a protegeu, mimou. Saibam vocês, que às escondidas, Eros serve a ela doses extras de néctar puro, em taças de ouro.

─ É uma devassa, suspirou intensamente Afrodite, mostrando uma foto da bela estagiária. Ao invés dos mantos diáfanos e esvoaçantes como convém a uma futura deusa, ela usa calças legging azul e uma regatinha branca, que deixa à mostra seus braços e pescoço, tudo lindo de morrer!

 ─ Atenção, tenho uma mensagem importante, anunciou Hermes, o mensageiro dos deuses, filho de Zeus e da ninfa Maia.

Todos fizeram silêncio, e inclinaram-se para ouvir.

─ Uma grave denúncia. Sabemos que Anastácia tem o hábito de pousar na Terra seu tapete-voador Ferrari 599 GTB, e fazer caminhadas entre nossos milenares monumentos. No passeio de hoje, ela aproximou-se de um elegante cavalheiro, que meditava à sombra do sagrado Paternon, templo da deusa Atena, e começaram a conversar.

─ Sou Konstantino, apresentou-se gentilmente o cidadão. Estou muito preocupado com a situação do meu país.

─ Aconteceu alguma coisa com a Grécia?

─ Os coronéis pretendem derrubar-me e implantar uma ditadura....

─ Ora, passe-lhes uma κατσαδ[1], aconselhou Anastácia, impaciente. Coronéis, ditadura... que falta de assunto, pensou, desapontada, e despediu-se, fazendo um simpático gesto de compaixão:

─Até mais, Tino, boa sorte com seu trono! E voltou a pilotar seu tapete-voador azul e branco, dando voos rasantes, e soltando gritinhos de: Lindão!!!

Hermes terminou a narrativa, que provocou forte comoção e alarido.

─Falta de decoro, irreverência, igual as adolescentes humanas, bradaram todas as deusas, escandalizadas.

─ Vamos reunir o Conselho Supremo dos Olimpianos para pedir o fim dessa modernização que bagunçou nossa casa, ordenou Zeus, o rei dos deuses, que recentemente se filiara ao partido do governo.

Tal conturbação da ordem era um desdobramento das dificílimas adaptações a que foram submetidos os alegres habitantes do panteão, abalados em sua índole jovial e festeira. Mas o pomo da discórdia era a presença perturbadora de Anastácia, uma jovem deusa-estagiária moderninha e irreverente, contratada pelo Poder Supremo para iniciar o programa de modernização geral do Olimpo, desvendar e planificar os segredos do irresistível poder que Afrodite, a deusa do amor e da beleza corporal, exercera sobre os homens, no passado distante...

Mas os encantos da lendária deusa haviam chegado à exaustão, pois na marcha implacável dos séculos, ela fora cruelmente afetada pelas estrias, celulites, pneuzinhos, pelancas; enfim, um desgaste geral da matéria, que transformou a bela musa em uma ex-bonita senhora, cujo único atrativo remanescente era sua antiga reputação de deusa linda e sensual, agora em inexorável decadência, no triste caminho para a aposentadoria compulsória.

A estagiária desencadeara a crise, ao perguntar:

─Por que você nunca malhou na academia?  Não usou cremes, esteira, bicicleta, Pilates...? Não tomou sol, vitaminas, energéticos, pílulas de colágeno? Não visitou um salão para cuidar dos cabelos, da pele, dos pés e das mãos???  E ainda não fez os exames preventivos??? Caraca!!!

Horrorizada com essa insolência, Afrodite retirou-se para sua nuvem predileta onde passou a flutuar solitária, remoendo suas mágoas, e mal contendo a torrente de lágrimas que vertiam seus ex-cintilantes olhos ao dizer.

─Essa menina não é apenas linda: é muito pior!

Assustado, e temendo que a depressão se alastrasse por todo o Olimpo, Zeus cancelou a reunião, e refestelado em uma nuvem-sofá, passou a resmungar, em sua infinita sabedoria:

─ Paciência! Não se fazem mais deusas como antigamente!

Mas... dizem as lendas que a partir dessa experiência os deuses também nunca mais foram os mesmos.



[1] Repreensão, “pito”, em grego. Nos teclados comuns não há o delta, mas pode-se usar a letra d, e grafar “katsada”, com igual significado (breve orientação gentilmente prestada por uma linda menina grega, que inspirou este conto). Obrigado, AK!.

 

 

 

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