Presente conto passado - por Mirian M. de Oliveira

PRESENTE CONTO PASSADO

 

O espetáculo mais intrigante, a que presenciei em minha vida (exagero!) ocorreu naquela maravilhosa noite de verão, quando paradoxalmente, estrelas e raios tomaram conta do céu.

Ventava muito e aquilo me excitava... não pelo vento em si, mas pelo prenúncio de tempestade. Tempestades sempre me atraíram, intensamente. Além disso, o céu dividido era desculpa para a reflexão: de um lado, estrelas brilhavam...de outro, raios imensos cortavam a negritude.

Não pude conter minha excitação: apaguei todas as luzes, finquei cotovelos na janela e olhei para o espaço tenebroso. Entrei, de corpo e alma, naquela tempestade não muito distante.

Arrepiei-me com os desenhos formados no céu, sentindo-me pequenina, diante de tanta fúria.Tão pequenina, senti-me!... que fui capaz de recuar no tempo: naquele tempo, em que pai e avó estavam vivos, com todas as suas estrelas e raios.

A avó me pegou  no colo, com o carinho de quem estava prestes a morrer e precisava acertar contas com Deus. Mostrou todo seu amor naquele momento de perigo, apagando seu rosto sisudo, com abraços e beijos de conforto.

Papai-relâmpago espalhou-se no céu e caiu em meu quarto, abraçando-me com a força, que nem sempre teve.Chorei...de tristeza e de amor, com duas pessoas em minha casa, confortando-me de algo que jamais me amedrontou.

Raios cortavam o céu e assustavam os seres vivos, enquanto eu, amante das tempestades, morria de medo de perder aquelas imagens: fluidas e consistentes, contraditoriamente, belas.

Chorei de medo... medo de perder as estrelas-tempestade!

¨Sente aqui em meu colo, neta! Você precisa de mim, nessa noite! ¨

Chorei nostalgicamente...Precisava! Sim...sempre precisei! Mas não pela tempestade, que nunca me amedrontou.

¨Venha cá, filha! Estou com saudade de você! Venha cá! As horas difíceis aproximam a gente!¨

Queria meu pai em uma noite estrelada, abraçando-me com suavidade e sorriso no coração.

Teve início a grande chuva ... aquela que lava a alma e eleva o nível de adrenalina.A Escola veio com um raio, trazendo consigo um oceano de contradições.

Não sei quem veio primeiro, mas... aquela professora que tanto me agradava, por ser uma menina dócil (Eu não era tão dócil assim!...) aparecia em flashs de luz. Em determinados momentos, elogiava-me...em outros, pedia-me para guardar comigo tantas perguntas! Até certo ponto de minha vida, ousei até não poder mais! Perguntei muito e cheguei a escrever composições, fora dos padrões das cartilhas.A professora gostava de mim, mas unhava minha amiguinha! Jamais...(Essa palavra é muito forte!) esquecerei o dia em que minha amiga chorou, por se considerar burra.

¨Que é isso?! Tudo passou! Já faz tanto tempo! ¨

O vento levou as imagens paradoxais da professora, que eu  estimava...Oh, noite esquisita!

Naquele momento conflitante, em que o terror se instalou no céu, vi a escola em que estudei: bonita, pomposa, enorme...escola tradicionalíssima.

Pela janela de meu quarto, vi o grande laboratório, com suas pipetas e tubos de ensaio, convidando-me para o mundo das ciências.Um dia, tive até vontade de ser cientista! Imaginem só! Eu, cientista!

Bom... além do grande laboratório,enxerguei, através das gotas de chuva, naquele momento, mais serenas, o laboratório de redação, com uma grande mesa oval e quadros de Leonardo da Vinci.Que lembranças!

Enquanto a chuva caía, visualizava a grande Escola, com seus pátios, jardins e cantinas... além da biblioteca. Ah, que biblioteca! Perdi-me naqueles livros! Sempre fui a leitora mais assídua.Apaixonei-me, de tal forma, pelos livros que passei a encara-los como meus melhores amigos, tais como as últimas gotas de chuva, que começaram a cessar e dissiparam a imagem do prédio.

Fim de chuva...Céu dividido!A noite permaneceu linda e contraditória!

Antes de acender as luzes, quis ter uma última visão.

Vi uma menina sensível e agitada, que, por algum motivo, se calou, mantendo acesos seus sonhos e ideais.De dentro da menina sonhadora, vislumbrei a adolescente inconformada, que se deleitava com os saberes transmitidos, mas não compreendia o desprezo e as injustiças.

Vi, em última instância, o prédio perfeito e estruturado e os ótimos professores que tive; vi, no canto do pátio, um grupo esquisito e isolado. No meio de tanta perfeição, não havia lugar para meus colegas ranhentos ... o prédio partiu-se ao meio! Acendi as luzes!Eu, adulta e feliz, reconheci e contemplei as luzes, porque , um dia, vivi a escuridão.

 

 

 

 

 

 

 

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