QUEM COM FERROS MATA, COM FERROS MORRE!
"Há palavras que parecem cacos de vidro, mas preferimos engolir e cortar-nos por dentro, do que as colocar para fora e ferir alguém"
Noutras alturas, não conseguimos guardá-las mais cá dentro! Não por má vontade mas por rejeição do organismo que nos obriga a vomitar as entranhas e tudo com elas (palavras)! Fere-se! Magoa-se terrivelmente tudo e todos, ainda mais, por ter engolido tanto. Melhor seria nunca abrir a boca, ou permitir que os vidros nos atinjam, cortem e destruam. É pior o estrago, depois, de tudo se ter suportado e não se aguentar mais! É avassalador.
Tantas vezes... Fazemo-lo, não por ódio, ou vingança, mas unicamente por já não ser comportável nem mais um caco cá dentro! Por várias e nas maioritárias vezes, é por amor que se fere, sabendo que estamos a cortar o outro, já irreconhecíveis, depois de termos sido esquartejados por ele.
Por amor-próprio, ferimos também! Amor ao que deve ser ouvido, porque o engolimos quando no-lo dizem e sabendo-o verdadeiro e inultrapassável, se admite! Engole. Mas porque devemos dá-lo também, quando os outros o devem deglutir, ao ofenderem-nos, por não serem perfeitos! Terem a sua quota-parte de culpa.
Faz-se uma dor funda no peito! Uma quase viuvez da alma, capacitados da perda que se dá! Porque é como se alguém nos fosse arrancado das mãos. Obliterado da frente, sabendo nós que essa partida é mais definitiva! Superior à própria morte, também para nunca... Nunca mais haver sinal vital reconhecível, daquela pessoa magoada connosco. E... Fica um gelo, para trás! Um vazio de ausência que nos volta a cortar como lâminas afiadas. De uma forma ou de outra? Acabamos sempre cortados por dentro, ou por fora! Mas tem de se ir adiante. Por não poder engolir mais. Aguentar, mais! E é uma dor tão extrema ferir o outro! Uma agonia, tão constante, que morrer deve ser melhor.
Como é que se explica a alguém que, todos os cortes que lhe infligimos, não é por gozo. Não dá prazer! Corta-nos mais, que a ele/a? Como é que se explica a alguém, que preferíamos morrer a ter de recorrer ao vómito! Deitar tudo cá para fora, se é precedido da desanexação daquele ser de dentro de nós... Como se nos roubassem um filho no parto! Impedissem de o tocar, ouvir e ver. Para, sempre!
Há vários tipos de amor. E todos eles cortam! Por eles engolimos e por eles despejamos. Por amor a nós, mas essencialmente por amor ao outro... Simplesmente porque omitir, ou contornar não é possível. Já não é! E quando dói, por mais valente que sejamos temos de gritar! É mais redutor e honesto ser límpido. Mas nestas alturas ninguém quer saber de honestidade ou do que é melhor... Tudo dói. É imperceptível e inconcebível. Deverá passar tempo para cair em nós e não temos esse tempo. Não há tempo de reflectir. Só um grito que ninguém ouve antes! Antes, da acção ocorrer e depois já não há remédio! Queríamos dizer:
"Para de me ferir, porque a continuares, revido e não quero ter de o fazer. Por amor a ambos! Por amor-próprio, no respeito que nos devemos, como identidades distintas. Porque depois cada um de nós morre para o outro! Somos arrancados do sítio, onde nos custou tanto tornarmos poiso... Destrói-se aquele ninho bom no coração! Aquele lugar de pureza, que se foi conspurcando e já nada será igual, nunca mais. Nunca mais!"
Mas geralmente nunca ouvem. Nunca se ouve! A divisão acontece. Morremos para os outros por nos ferirem e lhe darmos feridas em troca, sendo-nos possível encaixar mais! Quanto amor houve envolvido para que cortasse? Há tantos tipos de amor que temos aos outros... Infelizmente nenhum é calmo, nem infinitamente meigo. Todos eles cortam!
Maria de Fátima Soares