Senso incomum, Nhô cueca e delirios - por Mirian M. de Oliveira

SENSO INCOMUM, NHÔ CUECA E DELÍRIOS

 

            Somente um ano após o ocorrido, tomei a iniciativa de escrever. O processo de escrita é assim mesmo; primeiro as ideias ficam aprisionadas na mente (doidinhas para sair!), depois vão saindo devagar: emaranhadas e atormentadas.

            Pois esta crônica atormentada ficou armazenada por um ano! Vejam só: um ano!

            Tive que acionar intensamente o lado esquerdo de meu cérebro, perpassando autores frankfurtianos e outros pensadores complexos, num movimento circular e espiralado de minha mente animal. Chega! Vamos à crônica...

            Sempre considerei os “pontos de ônibus” fontes inesgotáveis de inspiração. Tenho muitas crônicas de ônibus! Pois foi em um deles, num final de tarde, em um dia qualquer... que o fato ocorreu.

            Faltavam, aproximadamente, dez minutos para meu ônibus passar, quando ele apareceu com um crachá pendurado no pescoço. Tinha uns 65 anos (Acredito eu! A barba engana muito!) Não estava maltrapilho, mas percebia-se a ausência de cuidados. Falava entusiasticamente, dirigindo-se a um vira-lata, cujo rabinho agitava-se freneticamente:

            _Meu amigo! Este é amigo de verdade. Gente!... Vocês nem imaginam. Este cachorro é melhor que minha mãe.

            Pensei que tipo de mulher poderia ter sido esta mãe. Pensei também no objetivo da comparação. Cachorros são seres boníssimos, fiéis até demais! Seres humanos podem ser comparados a cachorros?

            (Adoro fazer perguntas! Principalmente quando não possuem respostas!)

            _Cachorro bom! Esse é amigo de verdade! A minha mãe nem ligava pra mim, mas ele não.

            Um homem, um cão, um crachá pendurado... Era tudo o que podia ver. Que significado teria o crachá na vida do homem? No que se refere ao cachorro, tudo bem! (O cachorro é altamente representativo nesta história... mas o crachá!)

            _Esse cachorro é demais! Nhô Cueca, ô Nhô Cueca!

            Neste momento, todos os presentes puseram-se a rir. Era engraçada a cena! (Era mesmo?)

            Não sei por quê era engraçada! Quando se trata do outro, tudo é simples e engraçado. A cena foi interpretada como um fato humorístico, embora não houvesse humor algum naquilo. (Que graça poderia haver em um cachorro, um homem endoidecido e um crachá? Na verdade, a cena me deprimiu!)

            Nada era engraçado para mim, que fazia questão de refletir e olhar para o que não estava visível (pelo menos, aparentemente!) O crachá seria um elemento significativo para o homem?

            Tive medo de pensar a respeito, pois vislumbrei uma cena horrível: vi-me, circulando pelas ruas, com um crachá enorme, pendurado no pescoço. Dessa forma, talvez o crachá fosse significativo somente para mim.

            Imaginei-me num futuro não tão distante, aprisionada pelo relógio de ponto, pela coleira magnética e por ideias que não são minhas.

            O cachorro não tinha coleira, mas o homem tinha... E o pior de toda esta história é que não sei se o homem era louco. (Não seríamos nós os loucos?)

            _ Nhô Cueca, ô Nhô Cueca! Eta, cachorro amigão! Tá comigo em todas as horas. Nhô Cueca, ô Nhô Cueca! Tá na hora de ir para casa (Teria o louco uma casa?)

            Que prepotência a minha! Nem sabia se ele era louco! E se ele não fosse louco? E se loucos fossem todos aqueles que riam, devidamente munidos do senso comum, hipócrita e formatado pela sociedade? A cena me incomodava muito, mas sinto-me muito mais incomodada agora, depois de teorizar esses pensamentos.

            Vi-me louca no ponto de ônibus, com um crachá pendurado e uma cachorrinha:

            _ Nhá Calcinha, ô Nhá Calcinha!

            Teria de ser Nhá Calcinha, pois a cachorra seria o meu ente mais íntimo. (Cueca não é algo muito íntimo?) Que croniquice mais desmiolada a minha! Já nem sei mais de que falo!

            Naquele final de tarde de um dia qualquer, não consegui me deixar levar pelo senso comum e o resultado foi uma crônica maluca, que se permitiu nascer neste momento de conflito. Fixei-me na cena, prendi as imagens, porque, na verdade, identifico-me um pouco com aquele homem, com a coleira magnética pendurada no pescoço, procurando referências entre os seres.

            Em relação ao cachorrinho, ele é o ser mais engraçadinho desta história doida, porém verdadeira, onde o sentido se perde, diante de tantos delírios.

            Após meses e meses, sem conseguir conceituar tantos pensamentos, encontro-me com uma crônica aberta, sem pé, nem cabeça... uma crônica louca, sem protagonistas...uma crônica de crachá, senso incomum, Nhô Cueca e delírios.

            Querem mais?

 

 

 

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