Serenidade
Deixa-me contar-te que a minha serenidade... É nenhuma. Aquele silêncio de que falo, ao qual me obrigo, por vezes em quieta contemplação, é falso! Dentro de mim nada é sereno, mas um vulcão. Uma mistura explosiva, abrasiva, uma inquietude a raiar a incompreensão. Por isso a minha serenidade soa a vazio. É tida como arrogância, quando digo aos outros o que penso e apenas tento estabilizar... A mim, a tudo, a todas as coisas, passadas, presentes... Faço pior que antes.
Deixa-me contar-te como é difícil conviver em sociedade. Não! Todos sabem. Por isso há alturas em que apetece gritar, fugir e nem sequer assumir compromissos. Estamos tão cheios de regras, de imposições, horários, perguntas. De falsos dogmas, de contradições. A toda a hora se perde mais um pouco daquilo com que nascemos. E não é só a vã existência, é o sal, que já não tempera. A noção de desperdício, de sacrifício exagerado que se instala. Quando as malditas sujeições de séculos obrigam: A agradar, a estar, aparentar, espalhar... Serenidade. Quando cá dentro se ferve. E não obrigatoriamente de fúria, raiva ou ódio. De não-aceitação... Nada, disso! Ferve-se, arde-se de consumição. Porque nos avaliamos constantemente, nos censuramos diariamente, esperando no dia seguinte um milagre. Não, há! Esgotaram-se. Resta-nos a vida. Aquela que quando em jovens se contabilizam os dias, num calendário imaginário querendo crescer, qual prisioneiro de Alcatraz. Depois... Ai! Quero impreterivelmente voltar para trás... Não, posso! Que serenidade me dá isto? Nenhuma. Que impaciência... Que ciência ainda de mim desconhecida faz sentir de bem comigo, de bem com os restantes, de uma forma bem-sucedida? Desconheço-a!
E quando te falo da minha serenidade é trágico, irónico, que a consiga? E porquanto há alturas que estou completamente em paz. Apaziguada por dentro... Escassos mas mais vulgares. A cada conquista que faço, vejo outros fazer. Aceitando-me ou anulando-me a mim mesma. Não! Nego completamente que para estar em "consonância", tenha de me anular. E então lá vou conseguir a proeza de me serenar, constantemente em ebulição. Poderei continuar e harmonizar este tipo de sensação? Quem sabe! Talvez seja isto que faz de mim combativa. Que ainda me faça levantar de manhã e pensar que há alguma coisa que ainda não fiz, ou algo que me irá surpreender, alguém que tenho de conhecer e amar.
publicado em 17/03/2014