Teatrinho do fungagá da bicharada
Há bichinhos de que não gosto.
Não é que tenha medo deles, mas é que me repugnam; fazem-me pele de galinha e cacarejo de pavor quando decidem partilhar espaço comum. Não; não me imagino a fazê-lo com eles! Costumo dizer, "eles que andem por aí à vontade quando estou a dormir".
Ontem, contudo, atravessou-me a compaixão por um desses bichinhos. Enquanto cortava a relva e o motor da cortadora se sobrepunha a todos os sons edílicos do campo, saltou na frente da máquina meia minhoca. Sim, meia. A grossura dela não era de minhoca daquele tamanho. Certamente estava a espreitar, entre a relva, para ver que monstro se aproximava e... foi trucidada. Saltou e contorcia-se dramaticamente no ar. O meu pensamento foi de imediato para os melros que ficaram sem esta minhoca para darem aos filhotes.
Lembrei-me de outros acidentes mortais com outros animais repugnantes. Lembrei as osgas que matei, não sei se com o susto dos meus gritos de opereta se com a vassoura com que lhes batia. Lembrei as aranhas que mato, até com insecticida, e que continuam as suas obras de seda no dia seguinte, rindo de mim, depois de sabiamente se abrigarem da tempestade destruidora. Lembrei as loucas rãs que pulam da rotina e abrigo da ribeira, que conhecem de olhos fechados, que atravessam a estrada e escapam a algum carro que ronca assustadoramente, para se deliciarem na piscina, e morrerem tragicamente envenenadas pelo cloro que torna a água atraentemente límpida. Lembrei a salamandra que o João matou, relutante, mas decididamente, perante os meus gritos e saltos ridículos, à pazada, no domingo de Páscoa, por se atrever a invadir o pavimento do pátio onde só humanos deveriam pisar. Ainda hoje o olhar petrificado, de medo, daquela bichinha linda e nojenta me persegue - e me condena - quando soube, passados poucos dias, que é o animal mais eficaz no combate ao buraco de ozono.
Não me entendo mesmo. Os meus gritos, saltos, nervosismo e determinação parecem brigar com a minha compaixão. Nunca imaginei vir a sentir compaixão por certos animais… e alguns até são humanos!... Não me entendo mesmo. Suspeito que a natureza me está a ensinar alguma coisa com os dramas do dia-a-dia!
Luiza do Oh