Um cappuccino, por favor - por Francilangela Clarindo

Um cappuccino, por favor - por Francilangela Clarindo

Um cappuccino, por favor 

 

Café e Chocolate

Editora: Papel D'Arroz

Preco: €15.00

Uma colectânea de histórias misturadas num paladar aveludado e com forte odor a café puro! Esperamos que vos tragam uma confusão de odores e paladares. Que seja única!

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Um cappuccino, por favor

 

  Cafés, cafés e cafés. Amo cafés. Não só a bebida, mas os pontos comerciais assim  intitulados, para tomar aquele cafezinho, ler e conversar.

 

Em minhas viagens, procuro conhecer todas as cafeterias que possa e se alguém  for encontrar, também é este lugar que sugiro.

 

A doce magia dos cafés e seu aroma singular me fazem aceder a um tempo sem 

 

igual, a um momento de minha vida muito especial.

 

Há 50 anos era um jovem garoto de 15 anos. Estudante, sem dinheiro, juntava as  moedinhas que encontrava para ir lá já fazer o que era minha paixão desde então (vejam  como começou cedo): tomar aquele cafezinho na Cafeteria Café e Chocolate.

 

Sim, mamãe fazia café, e dos bons. Mas quem disse que eu queria? É... Até que 

 

tomava, queria sim. Mas não dispensava o da cafeteria.

 

Lá pelas 15h eu chegava. Sentava sempre no mesmo local. Um reservado 

 

próximo ao balcão. Um cafezinho básico era sempre meu pedido. Tudo igual. Muito  jovem, mas já tradicional.

 

Há uma peculiaridade minha que ainda não contei e não demoro muito agora, pois  será importante à narrativa.

 

Sou cego! Não digo isto por ser digno de louvor ou pena, mas porque, como já 

 

disse, importa à narrativa. 

  Nasci cego. Um probleminha congênito. Assim, minha educação começou cedo 

 

e já em braile. Meus pais não mediram esforços para que isto acontecesse. Devo a eles  esta atenção e carinho. Mesmo pobre, com recursos escassos e muito sacrifício, tive  uma educação com esmero, de não fazer inveja a qualquer pessoa com visão.

 

Pois como habitualmente vos disse fazer, lá estava eu com meu cafezinho 

 

pontualmente às 15h e pico. Fora atendido, então já havia chegado há algum tempo ao  café e me deliciava com o aroma, sabor e prazer que me alimentava o corpo e espírito.

 

Envolvido no clima do ritual da bebida, ouvi uma voz ao balcão?

 

- Um capuchino, por favor!

 

Ah! Que voz! Que leveza de passos se seguiram. Que perfume exalava o ar em 

 

minhas narinas. Que desvio de atenção me fez aquele pedido. Do café à beleza daquela voz feminina, para mim, mágica.

 

Os passos foram se distanciando. Ela deve ter seguido para o centro das mesas, longe de mim. Voltei ao meu café, mas não mais saiu aquela voz do meu pensamento.

 

No dia seguinte, à mesma hora, estava eu a ouvir a mesma voz a pedir a mesma 

 

coisa. Meu coração disparou. Na verdade, ansiava ouvi-la novamente. Os passos novamente se distanciando.

 

Mas, desta vez, ouvi uma segunda voz, uma vozinha feminina de criança, ao 

 

balcão: Um chocolate quente, por favor, moço. Mamãe pagará. Esqueceu-se de pedir.

 

Muito mimosa! Passinhos rápidos que pararam instantaneamente bem próximo a 

 

mim.

 

- Ei!

 

- Sim!

 

- Pedi um chocolate quente. Você quer também?

 

- Não, querida. Já estou com meu café aqui. Obrigado!

 

- Mamãe disse que você é bonito. Não quer conhece-la?

 

- Ah! Obrigado! Sim, gostaria muito. Você me apresenta?

 

- Claro!

 

- Mamãe! Mamãe! Ele quer conhece-la. Não disse que iria querer?

 

E foi assim que conheci aquelas duas garotas: Amália e Amélia.

 

Amália tinha uma voz maravilhosa. E, ao comentar com a filha no dia anterior, 

 

que eu era elegante, lá foi a menina, assim que teve oportunidade, dizer. Crianças!

 

Mas o fato é que Amélia nos aproximou. Naquele mesmo dia as duas vieram a 

 

minha mesa. Amélia fora buscar a mãe. E conversamos. A conversa fora longa naquele dia. Soube como Amália, com vinte anos, cinco anos mais velha que eu, havia já sofrido muito por amor. Aos quinze tivera Amélia, de um relacionamento que não durara, que só trouxera tristeza ao seu jovem coração. Seus pais a ajudavam com a criança, mas a tratavam rispidamente. Amélia era uma linda criança. Ao despedir-se, Amália dera a mão e eu não notara, claro. Usava uns óculos escuros e não sabia que ela ainda não dera conta de que eu era cego. Comentou: - E não me vai cumprimentar depois de tão gostosa tarde de um bom papo. Eu, sem entender direito disse: - Hãm? Ao que ela respondeu: - Estendo-lhe a mão e não me retribuís? Ao que Amélia logo disse: - Mamãe, não tá vendo? Ele não a vê? Imagino como não deve ter ficado o rostinho de 

Amélia. Hoje rimos a valer a lembrar da cena. E Amélia, tão perspicaz!

 

No dia seguinte o café estava cheio. As duas não encontraram lugar e pediram 

 

para sentarem à minha mesa. Foi outra tarde maravilhosa, de uma longa conversa, agora com mais detalhes pelo que já sabia do dia anterior.

 

Nas tardes que se seguiram, vinham as duas para o café. Ao entrarem, já lhe 

 

sentia o perfume e reconhecia os passos, então, ao passarem por mim, já dizia:

 

- Bom dia, Amália! Bom dia, Amélia! Ao que, as duas, rindo, respondia, bom dia!

 

Foram dias assim, e o amor surgiu em nossos corações. E em uma das tardes, na cafeteria, confessei meu amor a Amélia, que me disse também estar gostando de mim. 

 

Flutuei. Eu, cinco anos mais novo que ela, temeroso de que ela não me quisesse, não cabia em mim de felicidade ao saber que também nutria sentimentos por mim. 

 

Muito disposto, logo pedi para ir até a casa de Amália falar a seus pais namoro. 

 

Estes não entenderam. Trataram-me mal, disseram que, além de tudo, ainda era cego, que o que queria Amália era arranjar outro bucho. E que eu não passava de um menino velho, sua filha era que não namoraria com um cego. Foi uma lástima ter ido até lá.

 

Eu, ainda muito jovem, enamorado, querendo aquelas duas, fui ter uma conversa com mamãe, que me entendeu. Deixou as duas morarem conosco, enquanto eu me desenvolvia nos estudos. Os recursos eram parcos, mas mamãe aceitava de bom grado a família que surgia. 

 

Logo, logo consegui trabalho e, aos poucos, fui tirando de mamãe a dura carga. 

 

Com algum tempo já até a ajudava, além de minhas despesas. Conseguia suprir as necessidades de minha família e de Amélia e Amália, que eram também minha família agora. Quando me formei fui morar com as duas em nossa casa e vivemos muito felizes.

 

Amália não fez questão de namorar um cego e a Amélia não fazia diferença. Eu 

 

a encantava com histórias fascinantes. E o café continuava a ser agora o nosso cantinho preferido, dos três: Eu, com meu cafezinho básico, Amália com seu capuchino e Amélia com seu chocolate quente.

 

Aquele “-Um capuchino, por favor!” mudou nossas vidas. E eu, que já nada 

 

via de feliz na vida, encontrei, de uma só vez, a felicidade no amor de duas lindas e maravilhosas mulheres, que passaram a ser meu viver.

 

Francilangela Clarindo

 

 

 

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