A Carga - por Mário de Méroe

A Carga

(conto urbano)

Mário de Méroe

 

A jovem Centhena exalava felicidade por todos os poros, com muita razão: quase completando 30 anos – idade em que as jovens modernas têm como pré-esgotado seu prazo de validade - ela finalmente encontrara seu príncipe encantado: Karl Gustav, jovem loiro, atlético, com mais de 1,90m de altura, elegante, educado, sueco e ... milionário, que passava férias no Brasil.

Ele se comunicava de maneira fluente em português, pois era irmão da linda rainha Silvia, da Suécia que viveu no Brasil muitos anos e adorava nosso idioma, que ensinou, pacientemente ao seu querido irmãozinho...

Centhena e Karl Gustav se conheceram em um famoso barzinho, na zona oeste de São Paulo, onde ela fazia estágio como relações públicas. Atraído pela boa acolhida e simpatia da moça, Karl Gustav tornou-se frequentador assíduo do local. Mas informou que suas férias estavam chegando ao final, e ele deveria embarcar, impreterivelmente, no dia 10 de julho, de regresso à sua terra natal.

O jovem sueco até que cogitava radicar-se no Brasil, caso encontrasse alguém...

—Até o dia anterior à minha viagem continuarei procurando, disse o visitante. Se encontrar, ficarei por aqui. Já tenho alguém em vista, falou olhando demoradamente nos olhos de Centhena, mas se essa pessoa não concordar, voltarei sozinho para casa! Segurando as mãos de Centhena, ele convidou, emocionado:

—Se você se quiser me acompanhar, combinaremos, ok?

Era tudo o que Centhena queria! Viajar para a Suécia, viver com aquele deus nórdico, que parecia saído da mitologia escandinava... Ela estava perdidamente apaixonada, mas não deu resposta imediata; ficou de pensar e decidir.

Karl Gustav ausentou-se por algum tempo, pois queria aproveitar seus últimos dias em viagens pelo Brasil. Ao despedir-se, escreveu o número de seu celular em um papel e recomendou:

—Me avise o que resolver, ok?  

Enquanto esperava o retorno ou contato de Karl Gustav, Centhena caprichou nos preparativos para a viagem. Despediu-se da mãe, de suas dez irmãs, dos amigos, parentes, conhecidos...

O tempo corria, implacável. Estando próximo o dia da viagem de Karl Gustav, ela resolveu procurá-lo e acertar tudo. Mal podia ouvir a voz de seu futuro parceiro na linda aventura!

Sem saber seu endereço, pois ele hospedava-se em hotéis, e no momento estava viajando, Centhena resolveu telefonar e acabar com sua ansiedade. Afinal, já havia chegado o dia 8 de julho e ele viajaria no dia 10...

Assim, à noite, acomodou-se confortavelmente em sua cama, ladeada por suas dez leais irmãzinhas, que cruzaram os dedinhos em solidariedade; empunhou o celular e...triste surpresa! O aparelho estava sem carga!

Seu celular era o único da família e de toda a região. Nos arredores também não havia nenhum orelhão, tampouco telefone fixo, modalidade já em desuso. Estava isolada do mundo e de seu amado!

Tentou acalmar-se, mas lembrou-se de uma frase antiga, que bem descrevia seus sentimentos:

“Fatalidade atroz que a mente esmaga”, profetizara o grande poeta Castro Alves, em 1869.

As fieis irmãzinhas entreolharam-se, e a mais velha, de nome Dhezena, definiu a situação, em linguajar próprio de sua idade:

—F..deu!

Com o coraçãozinho despedaçado pela atrocidade do destino, a jovem nem conseguiu dormir... Sábado pela manhã, correu para a lotérica próxima para abastecer seu aparelho, mas outra cruel surpresa a aguardava: a lotérica estava fechada! Com a ansiedade da partida próxima, Centhena esquecera-se que naquele sábado, 09 de julho, comemorava-se a histórica Revolução de 1932, e era feriado em todo o Estado de São Paulo!

O dia seguinte era domingo, no qual as lotéricas não abrem, e o expediente comercial apenas recomeçaria na segunda-feira, dia 11...

Apoiada na infalível intuição feminina, Centhena avaliou o quadro que se desenhara para sua vida: desolação total, absoluta, irreversível...

Nesse dia, Karl Gustav já estaria em seu país, tristíssimo por não ter recebido resposta da pessoa que ele amava. Seu aparelho não registrava nenhuma chamada do Brasil, e o celular da menina não atendia...

Mas...tempus fugit; a vida segue e mais tarde, seguramente, conheceria uma linda princesa loira, amiga de seus pais...

Ao pensar nisso, as copiosas lágrimas de Centhena afluíram e inundaram toda o bairro de Brasilândia, que até hoje sofre e reproduz os efeitos dessa tristeza. Será essa a razão de tantos alagamentos?

 

 

 

 

 

 

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