A Grande Senhora - por Lígia Beltrão

A Grande Senhora - por Lígia Beltrão

A Grande Senhora

 

       Eu olhava o seu rosto e sentia uma ternura tão grande. Era como se lesse toda uma vida naquelas linhas que desenhavam vivências e se mostravam agora, desavergonhadas de existirem. Eu conhecia aqueles caminhos de vida quase tanto quanto ela. Eu vivi a maioria deles. A mulher linda e elegante que sempre fora não havia se perdido. Ao contrário, estava alí exalando a nobreza que lhe era nata. O tempo passara e cruel e injusto, como na maioria das vezes, lhe marcara o belo rosto. Quantos sonhos estavam agora adormecidos por trás daquelas marcas. Quantos desenganos lhe testara a força e sangrara seu coração. Quanta luta, dia após dia, feito penitência cobrada pela vida que lhe era dura. As batalhas não foram inglórias. Estavam estampadas em seu rosto, em seus passos, em seu viver, todas as medalhas de uma vida digna e limpa. Era vitoriosa sim. Com ela aprendi que dignidade é essencial. Devemos nos fazer bonitos e elegantes, mas a verdadeira beleza e elegância estão nos atos e atitudes na vida. Nossa riqueza maior são os nossos valores.

       Lembro-me da mulher linda de corpo bem torneado e longos cabelos que começava o dia, bem arrumada, para a dureza do seu trabalho. Ela dizia: - “é importante que as minhas freguesas confiem no meu trabalho e para isso eu preciso ser a figura dele”. E assim era. Todas queriam roupas costuradas por aquela mulher linda, bem arrumada e exuberante!  Era uma das costureiras mais procuradas. Cresci vendo as moças mais ricas e destacadas na alta sociedade da cidade provando orgulhosas suas roupas e figurando na lista das dez mais elegantes, graças à criatividade do desenho ao trabalho perfeito daquela mulher inteligente e guerreira, que sabia muito bem tornar os traços no papel na mais bela realidade. As meninas que debutavam, com seus esvoaçantes e rebordados vestidos, nos bailes dos quinze anos. As noivas que orgulhosas, exibiam-se em brancos e delicados vestidos, tecidos por dias e noites, ponto sobre ponto, em rendas, pérolas e cetins, adornados por véus de tule finíssimos e imaculados. Mãos de fada! Diziam todos. Assim cresci e fui embora domar a própria vida mundo afora. Ela ficou lá fazendo a máquina cantar dias e noites sem fim.

       Faz tanto tempo! As lembranças, que nunca me abandonaram, fazem-se mais presentes agora, quando olho para ela ao meu lado assim tão entregue àquele momento de oração, mostrando-me mais uma vez o quanto é forte, apesar dos pesares. Meu Deus! Dou-me conta de como o tempo passou, assim na sua irreversibilidade. Sou memórias. Também sou os instantes presentes. A missa celebrada alí, na Catedral de Santo Antônio, em Garanhuns, era a primeira na vida que assistíamos juntas. Só nós duas. Na hora da saudação, nos olhamos e nos abraçamos demoradamente, e ela me abraçou forte e nesse abraço estavam todos os abraços que ela não teve tempo de abraçar. E nesse vai e vem, é que o meu coração se dá conta de que por mais que vivamos, os nossos valores estão incrustados na gente e a nossa vida nos mordendo o calcanhar, chamando a nossa atenção para as lendas assombradas do nosso viver. A vida não passa, ela se cumpre. Inexorável.

       O grande Mário Quintana vem completar o meu pensamento quando diz: “MÃE... / São três letras apenas, / As desse nome bendito: / Três letrinhas, nada mais... / E nelas cabe o infinito / E palavra tão pequena - confessam mesmo os ateus - / És do tamanho do céu / E apenas menor do que Deus”!

Saímos da igreja, abraçadas. O meu braço era o seu apoio. É um momento santo quando se encontra a mãe! A brisa fria da noite estrelada acariciava nossos rostos sorridentes...

                                                                                                     

                                                                                                        Lígia Beltrão

 

Homenagem a minha grande Mãe, Itamar Gonçalves de Mélo, residente em Garanhuns – PE, que acaba de mostrar a sua força vencendo um câncer de mama. A ela, todas as homenagens da vida.

 

 

 

 

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