Aconteceu num domingo - por Lígia Beltrão

Aconteceu num domingo - por Lígia Beltrão

Aconteceu Num Domingo

 

       Era um dia de sol inesperado, para o tempo ruim que se fazia constante. Resolvemos meu marido, eu e um casal de amigos, irmos almoçar num outro sítio (cidade) e depois irmos dançar, coisa que gostamos de fazer com muito prazer e o meu marido, talvez por viver no meio musical dança até sem música, no que o acompanho com imensa alegria. Portugal nos oferece inúmeras danceterias, com excelentes músicos e ambientes tranquilos e bem cuidados, onde somos muito bem servidos. Lá fomos nós conhecer mais um lugar de diversão. Almoçamos num maravilhoso restaurante e seguimos alegremente, rumo ao desconhecido. Dica de uma amiga.

       A cidadezinha era simples, mas muito acolhedora. Chegamos cedo e aproveitamos para dar uma olhadela no lugar, enquanto a danceteria não abria as portas. Conheci duas senhoras viúvas que eram frequentadoras assíduas dessas casas de diversão, e começamos um papo. Elas iam informando a mim e a minha amiga quais as melhores e como funcionavam. Enquanto isso, nossos maridos conversam mais afastados, até vir ter conosco e a casa abrir as suas portas. Adentramos curiosos por descobrirmos o que havia alí dentro. Uma decoração diferente que dividia o ambiente em diversas salas, com muitas fotografias de artistas conhecidos, literatas e atores, que encantam Portugal, a enfeitarem as suas paredes. Achei inusitado e de bom gosto. Diferente.

       A música de excelente qualidade enchia o salão pelas vozes de dois cantores muito bons. Casais, a maioria já idosos, chegavam e iam sendo levados aos seus lugares pelo simpático recepcionista. Logo a casa estava completamente lotada por pessoas alegres, e dançarinos maravilhosos.

       Uma mesa chamou a minha atenção. Quando comecei a dançar com o meu marido. Senti que dois olhos risonhos nos acompanhavam, levando-me a olhar em sua direção, assim deparei-me com aquela mulher sozinha, de cabelos branquinhos como a neve, que olhava todos os movimentos dos dançarinos com um sorriso “bailando” em seus lábios, por vezes trêmulos.

       Entendi que ela deve ter sido uma grande dançarina nos bons tempos. Pelo jeito, era frequentadora assídua da casa, visto como era tratada, com cortesia e intimidade por todos. Ela chamou a minha atenção, porque eu sentia que aquela mulher solitária estava feliz assistindo os casais deslizarem pelo salão. Ela sorria levemente ao ver uns mais ousados senhores dançarem umas músicas mais modernas e animadas, como se aprovasse com os olhos os trejeitos e traquejos dos mais animados a mostrarem a sua ginga, digamos, mais moderna. Imaginei que ela “dançava” com os olhos, já que não se mexia.

       Incrível, mas através dos seus óculos eu conseguia captar os seus sentimentos. Ela não se movia, mas olhava para todos os lados a prestar atenção a nós. Às vezes, fazia um sinal de aprovação, com a cabeça, gostava de nós. Suas mãos permaneciam na mesma posição. Não se mexiam.  Ela olhava para nós no dancing com um sorriso de carinho nos lábios. Deliciada com o nosso jeito e nossa dança. De repente, chega um senhor e senta-se na cadeira ao seu lado. Fala algo, mas ela continua impassível e calada. Estava quase a acabar o baile. Olho-a ainda mais curiosa. Embaixo da mesa em que ela estava, descansava silenciosa e triste, uma pobre muleta esquecida.

      Eu fui até a casa de banho refrescar-me para irmos embora. Ao voltar, procurei imediatamente com os olhos, aquela estranha senhora. A mesa estava vazia. Senti uma leve tristeza invadir o meu coração. Certamente nunca mais a verei, mas na minha memória ficará a imagem silenciosa daquela mulher estranha, mas com um ar de ternura no rosto, como de uma doce avó. Fiquei triste. Sequer acenei para ela...

                                                         Lígia Beltrão

 

 

 

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