Cenas do outro mundo - III - por Conceição Oliveira

Cenas do outro mundo - III - por Conceição Oliveira

CENAS DO OUTRO MUNDO (III) 

- excertos


(...)
Seja qual for o grau de cultura ou crença, perante factos envoltos em névoas de mistério ou misticismo, impossível a qualquer um não ser contaminado. 
Para os incrédulos, muito mais práticos nas suas análises, os assuntos encerram-se de “per si”e até servem de mote a grandes tertúlias ou brincadeiras.


A história que vos conto é um exemplo desses.


Apesar de se orientar pelo saber científico, de não recear passar por debaixo de qualquer escada e de ter uma boa relação com o número treze, tudo mudou para Mariana depois de alguns episódios vividos entre a fronteira do sobrenatural e a da racionalidade. Além dos cabelos eriçados, evidentemente, uma quase certeza de que não andamos cá por acaso e de que não estamos sozinhos neste nosso pequeníssimo mundo. Mudou, sobretudo, a forma de avaliar esses fenómenos que, à luz de um infinito seu, passaram a ser encarados como algo de muito íntimo. Tão íntimo que teria de guardar para si, como um segredo. Ser alvo de chacota não era desejável, não fazia parte dos seus planos.

A jovem estudante do ensino secundário, relativamente tranquila e alegre, viu-se envolvida em factos tão inusitados quanto assustadores, como sejam ruídos inexplicáveis no silêncio de uma casa vazia. 

Claramente audíveis, primeiro por ela - o que viria a alterar o seu modo de ser e de estar - depois, em crescendo, pelas várias pessoas que habitavam a chamada Casa Azul que, ainda hoje, não entendem os acontecimentos então vividos…

Tudo ali acontecia.


Eram passos no soalho, pancadas nas escadas de madeira, arranhadelas nas paredes, cócegas na nuca de Mariana enquanto estudava, aparelhos elétricos que ligavam e desligavam sozinhos e, por fim, o toque ininterrupto da campainha da porta da garagem numa data em que o número 6 se lhes apresentava como fator diabólico.
Talvez importe referir que os episódios ocorreram logo após o falecimento de um familiar (direto) muito chegado a toda a família, especialmente a Mariana.

(…)
Certa ocasião, depois do almoço, ouviu passos no andar de cima onde se situava a biblioteca, o seu espaço de estudo. Felizmente, nesse dia, não estava sozinha e acautelou-se. Fez sinal à empregada que metia a louça na máquina e, depois de buscarem as “armas” que as fariam sentirem-se protegidas, munidas de varapau e vassoura, pé ante pé, com toda a cautela que o medo permitia, subiram as escadas. 
Nem as pantufas do tareco (o bichano dormia – consolado - no lombo do cão que guardava a casa…), teriam sido mais suaves. 

Mariana e Rosa estavam convencidíssimas de ir encontrar alguém, entrado sorrateiramente pelas janelas do terraço, a tentar roubar. 


Enganaram-se! 
(…)
Conceição Oliveira 


in CONTOS PRÓDIGOS (e outros) VADIOS

Edições Colibri, dezembro, 2017

 

 

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