Mulher Partida - por Lígia Beltrão

Mulher Partida - por Lígia Beltrão

Mulher Partida

 

       Olho-me no espelho do tempo. Sinto-me fragmentada em milhares de pedacinhos. O rosto que vejo tem traços fincados pela mão da vida mostrando os caminhos percorridos. São tantos! Sorri para mim a criança peralta de cabelos negros e olhos brilhantes mostrando que continua ali, viva, dentro de um eu meu, que o tempo preserva quase irretocável. Essa criança dá-me a força necessária para seguir em frente, pois ela me diz que tenho todo o tempo do mundo e que tudo é possível. Acaricio aquele rosto com as mãos trêmulas rememorando uma vida que de repente submerge no reflexo ilusório, mas que me alimenta. Engano a mim mesmo, e dispo-me corajosamente dos medos que me amordaçam para não gritar os ais que guardei engasgados por todo o tempo. São tantos!

       Rodopio no carrossel que me levou às nuvens da ilusão e galopo no cavalinho branco que me deu o riso escancarado da alegria. Faz tanto tempo, mas parece que não, tudo está diante dos meus olhos molhados de saudades. O céu que eu sempre vi azul durante o dia, e que à noite vestia-se de um manto bordado de estrelas, um dia escureceu e o negro da dor fê-lo rugir estrondosamente e arreganhar os dentes dourados querendo abocanhar os restos dos sonhos partidos.

       Cresci, e antes de tudo briguei com o meu mundo interior para sentir-me mais forte e não caminhar com medo do inesperado. Segui em frente. Só eu sei o quanto me custou a caminhada. As dores explodindo no peito e entalando-se na minha garganta sem que saísse dali o grito ensaiado. Esperado. Sufocado num soluço mudo. O grito libertador dos que vencem dia após dia a luta de viver.

       As ilusões despedaçam-se uma a uma sem tempo para virarem reais. Pego com as mãos trêmulas os ais que juntei e enterro-os todos no tempo. Toco cada pedaço de mim, retocando aqui e acolá os fragmentos remendados. Dou-me esse poder e esse direito de ser dona da minha vida e dos meus pedaços. Quero ser eu, inteira, e sou. Caminho agora pelas estradas do paraíso, mesmo sabendo que no céu não há estradas. Melhor, construo eu a minha própria e do jeito que eu quero. Sou renascida na alegria de me encontrar quando dobro as ruas de mim, por onde passei sem ver o lado bom de tudo. Sou esperança mantida viva pela força do amor.

       Sempre é tempo de se procurar a si mesmo e se encontrar é imensurável. Quase Divino.

 

                                                                    Lígia Beltrão

 

 

 

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