No tranco - por Lígia Beltrão

No tranco - por Lígia Beltrão

No tranco

 

       De repente ela acorda da vida louca que levava. Põe-se a pensar no que havia feito com ela mesma. Entregara-se àquele amor (?) na ânsia de ser, finalmente feliz. Fizera-se múltiplas criaturas para poder levar adiante aquela relação que lhe chicoteava o peito a cada adormecer do dia. Ele não podia ser normal... Ou, por outra, não havia aprendido a amar. Entranhara-se nela de tal maneira que se lavava mil vezes e seu cheiro não sumia. Era o seu castigo a jogar-lhe na cara que não deveria ter aceitado aquele homem na sua vida. Afinal, era livre, por que se amarrara assim a quem não a merecia? Jurou um dia que nunca mais choraria por ninguém. Não chorou.

       Seu peito doía como se lhe tivesse encravado um punhal. Sentia, por vezes, o sangue a jorrar e quando queria escorrer por seu rosto, enxugava e mantinha a promessa. Desgraçado! –pensava a sentir raiva de si mesmo-, como pudera ser tão boba? Entregar-se assim a quem só a destratou. A quem só lhe disse palavras para diminuí-la, para fazê-la sentir-se culpada e chorar pelo que não havia feito? Fora usada e jogada fora. Era assim que se sentia.

       Quedou-se silenciosa no seu canto, e ali, resguardou-se do barulho da vida, que a machucava e lhe mostrava o outro lado do viver. Não queria mais ver-se nesse espelho que a machucava e a fazia sentir-se viva. Não queria viver. Sim, para que viver? Criatura que se deixou levar feito idiota por um cara que tudo fez para não merecê-la. Seu quarto era o seu refúgio. Ali, conversava consigo mesmo e tentava entender a vida. Fez-se de repente a força que nunca fora e tentava sair daquele marasmo e daquela solidão que lhe batia à porta da alma insistentemente.

       Escrevera mais uma história na sua vida já tão cheia de tantas. O tempo passava e ela conversava com este. Queria respostas, mas não obtinha nenhuma. Queria entender o que havia dentro dela. Um vácuo tremendo, isso sim, feito com uma máquina britadeira a arrancar-lhe os pedaços sem dó nem piedade. Não o via mais. Sumira da sua vida como se ela nunca tivesse vivido ao seu lado. Riram muito juntos e ela achara que eram cúmplices e amigos, quase almas gêmeas. O tempo passava... Este professor que nos ensina tanto, mas que nem sempre estamos prontos para ouvi-lo e entender.

       Um dia acordou com os raios do sol batendo na cara. Despertou para o dia se sentido mais idiota ainda, por ter sofrido tanto e tão inutilmente. E ela era mulher para isso? Acorda mulher! Tu não és assim... És maior... És dona de ti mesmo. Acorda criatura, olha o sol da vida a chamar-te para viver! Ela olha-se no espelho já não tão embaçado, levanta a cabeça e abre a janela. Os raios do sol adentram atrevidos o seu quarto. Está viva! Sai para o mundo. Agiganta-se nos desejos da alma. Emudece agora para a dor, não a quer mais. Segue adiante firme e com a certeza do que quer. Faz-se de montanha, é o que é. O céu se derrama sobre ela em bênçãos. Sabe disso.

       Ele a olha tremendo. Passara-se tanto tempo... Ela olha-o, entende o que ele sente e fica emocionada. Conversam. Olham-se como nunca. Ele pede-lhe perdão por tudo o que lhe fez e ela ouve, numa frieza que a assusta. Seu coração parece estar fechado por uma porta invisível, cuja chave ela não lembra onde guardou, e por mais que queira abrir, não consegue. Ele olha-a surpreso. Não quer perde-la. Não pode perdê-la. Descobriu que a ama e disse isso sem nenhuma vergonha. Pediu. Suplicou. Implorou. Rastejou. Ela olhou-o, ouviu-o, e com muito carinho disse-lhe para ser feliz. Ele chorou. Ela afastou-se. Duas lágrimas desceram por sua face, mas era de alívio. Finalmente ela libertou-se. Não sentiu mais o cheiro dele impregnado nela. Aprendeu no tranco a fazer-se feliz. Finalmente!

 

Lígia Beltrão                       

 

 

 

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