Pedra no sapato - por Maria Estela Ximenes

PEDRA NO SAPATO

 

Desafio alguém  percorrer longas distâncias com uma pedra no sapato. Sentir a cada passo, o objeto roendo as solas dos pés. Conversar com alguém como se estivesse feliz e satisfeito, esquecido do incômodo, ou  até mesmo de  outros  incômodos da vida. Com uma  pedra no sapato, ser  capaz de   imitar outras pessoas e fingir que nunca mentiu ou  julgou alguém. Passou pela experiência  de evitar revelar a sua face tristonha ou o seu ego exagerado,  com receio de ser ridicularizado.

 Uma pedra é uma pedra, e dentro do sapato não vai se transformar em algodão. Vai ferir continuadamente até  a expressão de dor revelar-se  na face. Enquanto permanecer no sapato, ela não será passageira como uma   chuva de verão,  vai continuar castigando a  sola dos seus pés. Te acompanhar na caminhada por horas, dias,  até  você  retirá-la. Uma pedra no sapato é o mesmo que  um armário entulhado de objetos inúteis e  cheios de pó, que longe de fazer o bem,  transfere poeira  pelos cantos. Uma pedra no sapato pode até ser coisa pequena diante de tantos problemas, mas pode corroer tanto quanto uma antiga mágoa. Maior do que os rancores do passado, mais rápido do que o tropeço do dia anterior, porque a pedra está presente neste instante. Incomoda hoje.

Uma pedra no sapato faz você delirar tamanha a vontade de  sentir a maciez nos pés, pulsando  o desejo de caminhar sem empecilho. Saber que todos os pesos que antes carregava, não se comparam a essa pedra que fere silenciosamente. Pontiaguda, dolorida,  assim é a pedra  no sapato.

Superior  ao incômodo da pedra, é admitir   que  só  precisa de um único gesto seu, para retirá-la do sapato e caminhar livremente.      

 

 

 

 

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