Quando chove - por Maria Estela Ximenes

Quando chove - por Maria Estela Ximenes

QUANDO CHOVE

 

Parecia uma ilha, não dessas ilhas belíssimas e paradisíacas , mas uma ilha cercada de dejetos, pessoas literalmente ilhadas, carros estacionados, buzinas incessantes.

Dia de chuva em uma metrópole é um caos: água em abundância   nas estradas, entulhos impedindo o escoamento de água, população transtornada.

Qual a vantagem de ter posses quando está chovendo? O que fazer diante de carros submersos como barcos e morros deslizando como areia movediça?

Senhor Elias, antigo morador do bairro, cansou de ouvir críticas do seu vizinho porque ele não possuía um carro. Como podia abrir mão de algo que proporciona rapidez e conforto? Mas não é que seu Elias sentia satisfação quando via aquele conforto parado, esperando o nível d’água baixar? É que muitas vezes esse vizinho divertia-se espirrando água nos pedestres.

Dias desses, ele caminhava na calçada, quando viu um grupo agitado próximo ao um rio.

- Aconteceu um acidente? Chamaram o resgaste?

- Não é acidente, são dois jovens surfando no rio – respondeu um homem.

- Desde quando se surfa em  rio? – E esse é um rio poluído, repleto de entulhos, a correnteza pode leva-los em questão de minutos!

- Fizeram uma aposta e garantem que vão surfar nesse esgoto...

- Segundo eles, a chuva aumenta o volume de água, dando  a falsa sensação de correnteza – completou uma mulher.

A cena era cômica, dois jovens de prancha, equilibrando-se na correnteza de um rio que já teve dias melhores. A plateia havia aumentado. De repente, não  se sabe de onde, surgiram  fotógrafos, repórteres, donos de celulares registrando os rapazes; e não é que eles conseguiram realizar a façanha?

No dia seguinte, o destaque nos principais jornais: “JOVENS SURFAM NO RIO “, OUSADIA NO RIO”, RIO POLUÍDO VIRA MAR”. E o caso repercutiu.

Logo, um empresário interessado na história  propôs aos jovens patrocinar uma loja de roupas estilo surf, os empreendedores apostaram  também  numa nova marca de perfume, inspirado no cheiro do local. A venda de roupas foi um sucesso, juntamente com o perfume “Fragrância Exótica”, e a loja precisou ser ampliada.

O local tornou-se  ponto  turístico e, para atrair  mais curiosos, comerciantes vendiam diversos acessórios, como chaveiros, guarda- chuvas, alto- falantes e binóculos para visualizar  as ações dos aventureiros.

Os políticos de plantão justificavam os problemas  das enchentes como ausência  de ações  conscientes  da população e citavam  os jovens como “inovadores” em sanar  (ou desviar a atenção?) dos desastres corriqueiros em dias de chuva.

Com o tempo, o surf no rio virou tradição na cidade. Sempre que ele transborda, aparece alguém disposto a surfar e curiosos  contemplam a cena extasiados. É um acontecimento estranho, mas vai entender a cabeça das pessoas!  

 

Crônica do livro de Antologia Nossa História, Nossos Autores,  Ed. Scortecci, 2012.

 

        

 

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