TEMPO SEM HORAS (Contos) – Editora Vieira da Silva, Lisboa, 2013
(VI) O Vício
Era tarde quando regressou a casa.
– Mãe… Finalmente, o pai chegou… Tão sujo e mal cheiroso! Deve ter caído em cima de bosta… de gente!
– Caíste, pai? Estás ferido?
– Sim, caí. Ferido? Só na alma!
Alzira, que entretanto se aproximara, atira‑lhe:
– Com que então voltaste a jogar… Haja dinheirinho, não é? E eu que me nique e o estique…
– Eu? Jogar? Tás muito enganada!
– Sim, tu… Hoje, bem cedinho, deixaste cair isto na sanita!
Acenou‑lhe com o bilhete sequinho…
Felizardo, ganhando fôlego, irou‑se. Bastante. Nem sabia ao certo porquê… Se pelo facto de a família ter descoberto a continuidade do vício nocivo ao orçamento familiar, se pelo nervosismo de saber que estariam riquíssimos…
Aproximando‑se, querendo certificar‑se de que não era sonho, fez menção de lhe retirar o papel da mão …
Afastando‑o, Alzira previne:
‑Calma aí, meu caro! Antes de o levar, diz‑me como é que perdeste a tua aliança…ou pensas que sou lorpa? Depois, vais explicar‑me como vamos nós pagar as despesas do mês…falta ali dinheirinho…
E continuou a descompô‑lo pela noite dentro…
(Tempo sem horas [115])